Um tema que nunca deixa de provocar debates, discussões, convergências e divergências é o da eficácia ou efeito no campo do direito, quer no aspecto teórico, quer no aspecto prático do processo civil, onde se utiliza bastante das expressões.
Trago, à guisa de anotações, algumas informações para refletirmos sobre o assunto, pois não passa desse propósito.
Na teoria geral do direito não é difícil encontrarmos o termo “eficácia”. Norberto Bobbio explica que “O problema da eficácia de uma norma é o problema de ser ou não seguida pelas pessoas a quem é dirigida (os chamados destinatários da norma jurídica) e, no caso de violação, ser imposta através de meios coercitivos pela autoridade que a evocou” 1.
Essa linha de pensamento é seguida por Eduardo Ángel Russo, quando afirma que:
“La eficacia del sistema puede ser entendida em dos sentidos distintos: primero, en tanto la conducta de los ciudadanos se ajuste al cumplimiento de lãs obligaciones jurídicas, o sea, que se abstengan de cometer las conductas penadas por el sistema. Segundo, hay un sentido más fuerte de eficacia, particularmente para aquellas teorías que adoptan como criterio distintivo de la juridicidad, el elemento sancionatório” 2.
No caso, ambas as posições, nos parecem se referir à aptidão que tem a norma jurídica de produzir efeitos, quer com o cumprimento da mesma pelos seus destinatários, quer sancionando-se o destinatário através da autoridade competente quando falha o desiderato natural da norma.
Então, eficácia, sob a visão da teoria do direito, é a potencialidade que a lei tem em sentido amplo para fazer surtir os seus efeitos, principalmente visando uma aceitação, aplicação e utilização da mesma pelos seus destinatários.
* Francisco Barros DiasProfessor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Desembargador Federal da 5a Região. Membro do Conselho Científico da Revista FIDES.
Em uma visão processual Liebman procura trabalhar o tema da eficácia da sentença com relação aos seus efeitos, sempre voltado para a idéia da questão relativa a coisa julgada, procurando demonstrar que a coisa julgada não é um efeito da sentença, mas uma qualidade que se ajunta aos efeitos da sentença para “reforçá-lo em sentido bem determinado,” como se pode extrair de toda sua obra 3.
Pontes de Miranda, ao falar de eficácia, também no campo processual, faz compreender a expressão albergando os termos força e efeito, ou seja, a eficácia compreende força e efeitos de uma resolução, no caso, de uma sentença: “Falando-se de eficácia de resolução, tem-se de cogitar de força e efeitos, porque a eficácia é a propriedade de ter força ou efeitos. É eficácia: a) certa imodificabilidade pelo prolator que varia da modificabilidade, quando o juiz volte a ter de examinar o assunto, até a sentença, que de regra é imodificável (sentença apelável) e só excepcionalmente alterável por provocação (juízo de retratação; embargos); b) a força formal de coisa julgada; c) a força ou o efeito declaratório, ou a força ou o efeito material de coisa julgada; d) a força ou o efeito constitutivo, condenatório, mandamental, ou executivo, se o tem; e) os efeitos próximos ou laterais; f) os efeitos-reflexos, que são os da sentença como ato jurídico ou fato jurídico. Em sentido estrito, eficácia seria o ter os efeitos a) e b)” 4.
No sentido utilizado por Pontes de Miranda, as letras “a” e “b” estão voltadas para a eficácia entendida como expressão relativa à questão da coisa julgada material, isto porque na primeira se refere a imodificabilidade da sentença, enquanto na segunda fala expressamente da força formal da coisa julgada. As demais letras do enunciado, cuidam exatamente da força e efeitos declaratório, constitutivo, condenatório, mandamental ou executivo, além dos efeitos próximo ou laterais da sentença e os chamados efeitos-reflexos do julgado.
Assim, sob o ângulo de visão do exponencial doutrinador, eficácia definiria melhor a coisa julgada material, dada a imodificabilidade do julgado, a coisa julgada formal seria uma força que resultava da sentença enquanto os demais elementos que podem ser extraídos da sentença seriam força ou efeitos, todos advindos da eficácia que esta sentença pode produzir.
Depois continua Pontes de Miranda a esclarecer outras eficácias da sentença e repetir as anteriormente mencionadas, afirmando: “A eficácia da sentença concerne: a) ao processo, que ainda continua, após ela, pois as próprias intimações e os recursos são processo; b) à demanda, que se ultima com ela, ou com a sentença que a reformar; c) à relação jurídica ou a inexistência de relação jurídica, ou aos fatos, que ela examinou, por terem sido objeto do pleito; d) ao conteúdo da sentença como prestação estatal (declaração, constituição, condenação, mandamento, execução); e) a efeitos anexos ou a efeitos reflexos da decisão; f) à sentença mesma como ato jurídico; g) à sentença mesma como simples fato”.
3 LIEBMAN, Enrico Tullio. Trad. de Ada Pellegrini Grinover, após a edição de 1945. Eficácia e Autoridade da Sentença e outros escritos sobre a Coisa Julgada. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1984, p. 40.
4 MIRANDA, Pontes de. Tratado das Ações. Atual. por Vilson Rodrigues Alves. Campinas: Bookseller, 1998,
t. I, p. 171-172.
Interessante ainda é o significado reforçado de eficácia por Pontes de Miranda quando afirma que “Eficácia é (a) a energia automática da resolução judicial. A sentença ou o despacho torna-se suscetível de ser obrigativo, eficaz, no momento em que faz entrar na espécie abstrata a espécie fática; mas ainda é a lei que vai marcar o momento dessa eficácia. As decisões sobre mandado têm eficácia, posto que não haja litígio. Outra (b) precisam de execução para que tenham eficácia completa. A regra é que a eficácia depende da coisa julgada formal, mas a lei conhece casos de exceção (e.g., as medidas preventivas)”.
Aqui o eminente Mestre procura vê a eficácia no momento em que a sentença é proferida e adentrando o fato no campo abstrato da norma, já resultar daí alguma eficácia na sentença, porém esclarecendo que a lei é quem vai ditar o momento dessa eficácia, indo até o ponto em que determinadas eficácias só vão resultar em sua completude com a execução do julgado, após a coisa julgada formal, excepcionando-se as hipóteses de provimentos preventivos.
Depois esclarece de forma mais nítida que a eficácia compreende tanto a força como o efeito, deixando bem claro que a primeira está voltada mais para a coisa julgada, enquanto a segunda se relaciona com o efeito que diz de perto a condenação que deságua na execução, sendo que esta não existe nas sentenças declaratórias, segunda sua visão naquele momento histórico. “A eficácia compreende, portanto, a força (e.g., a eficácia consistente na força de
coisa julgada material da sentença declarativa) e o efeito (e.g., eficácia consistente no efeito de execução da sentença condenatória, efeito que as sentenças declarativas de ordinário não têm) ”5.
Depois arremata: “Quando se fala de força e efeitos da sentença –englobadamente, da “sua” eficácia – entende-se que se sabe o que é eficácia jurídica. A linguagem vulgar e, infelizmente, a grande maioria dos juristas não distinguem força e efeitos, conceitos ambos contidos em “eficácia”, palavra com que se traduz Wirkung. A eficácia jurídica supõe que exista mundo jurídico, que o nosso espírito capta em suas relações, de modo que toda mudança desse mundo é eficácia jurídica (cf. A. Manigk, Uber Rechtswirkungen, 6-13)” 6.
5 MIRANDA, Pontes de. Tratado das Ações. Atual. Vilson R. Alves. Campinas: Bookseller, 1998, t. I, p. 173.
6 MIRANDA, Pontes de. Tratado das Ações. Atual. por Vilson Rodrigues Alves. Campinas: Bookseller, 1998,
t. I, p. 184-185.
Portanto, eficácia para Pontes de Miranda, em uma síntese de seu pensamento, engloba força e efeitos da sentença, estes mais palpáveis num mundo prático por ser alcançado através dos fatos, enquanto aquela se pauta em um campo mais abstrato, captado por nossos espíritos em razão das relações entre os homens que leva as mais variadas mudanças.
Para Barbosa Moreira, a “Eficácia, enfim, é palavra que se costuma usar, na linguagem jurídica, para designar a qualidade do ato enquanto gerador de efeitos. Em correspondência com o duplo enfoque dos efeitos, acima expostos, pode-se falar de eficácia como simples aptidão para produzir efeitos (em potência) ou como conjunto de efeitos verdadeiramente produzidos (em ato). Menos freqüente é o uso de “eficácia” como sinônimo de efeito, isto é, para designar cada um dos efeitos (em potência ou em ato) particularmente considerados, o que leva a conferir-se ao mesmo ato jurídico uma pluralidade de “eficácias” 7.
O Professor Barbosa Moreira, portanto, procura dar um sentido genérico ao termo eficácia, sendo num primeiro momento a simples aptidão de produzir efeitos, potencialmente considerado, ou um “conjunto de efeitos verdadeiramente produzidos”, sendo aí já concretizado em ato.
Com essa idéia temos a eficácia num plano mais abstrato, enquanto o efeito ficaria num patamar cujo vetor, seria mais prático.
Fernando Sá, em trabalho escrito na obra conjunta organizada por Carlos Alberto Álvaro de Oliveira, após análise do conceito de eficácia levado a efeito por Falsea, esclarece:
“Eis pois aqui o que consideramos como sendo a conceituação do termo eficácia. Esse fenômeno jurídico, através do qual o direito se realiza, é aquele instante da situação jurídica, quando um especial interesse, tido como necessário pela comunidade jurídica, passa à concreção de determinada fattispecie posta na hipótese legal para que se cumpra o efeito jurídico nela valorado e pretendido” 8.
As lições aqui explanadas leva-nos a compreender que a eficácia reina em campo mais abstrato, podendo ser expressão utilizada pelo legislador para que algum objetivo seja alcançado, transformando assim, aquilo que seria intenção e vontade em algo concreto e por isso resultando em efeito plenamente palpável e realizável ou realizado.
7 MOREIRA, José Caros Barbosa. Conteúdo e efeitos da sentença: variações sobre o tema. In: Temas de direito processual. São Paulo: Saraiva: 1989, p. 175-176. [Quarta série].
8 SÁ, Fernando. Ainda sobre as diversas eficácias e efeitos da sentença. In: OLIVEIRA, Carlos Alberto Álvaro de (Org.). Eficácia e coisa julgada. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 87.