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AÇÕES DE INVALIDAÇÃO DE DELIBERAÇÕES ASSEMBLEARES

02 de maio de 2019

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Francisco Barros Dias

Professor e Magistrado

RESUMO: Introdução. 2. - Objeto da demanda e natureza dos vícios que levam a uma nulidade assemblear. 3. - Sujeitos ativos e passivos da relação jurídica processual. A) sujeito ativo; b) sujeitos passivos. 4. - Procedimento a ser adotado. 5. – Medidas Cautelares. 6. - Abuso do direito de ação. 7. - Efeitos da sentença. 8. - Conclusões.  

INTRODUÇÃO

O projeto do Código Comercial que tramita atualmente nas casas legislativas de nosso congresso nacional, achou por bem fazer inserir no texto do futuro diploma legal um capítulo dedicado as “ações de invalidação de deliberações assembleares”.

A inserção de uma ação especial num texto de código que diz respeito a direito material é sempre vista com certa restrição pelos estudiosos do direito. Quer porque foge ao tema central versado na codificação. Quer porque, o avanço científico do processo implica em se reconhecer a possibilidade de ser atendida qualquer pretensão de direito material por diversos instrumentos processuais, independentemente de se encontrar previsto o meio legal específico para se alcançar qualquer realização do direito postulado. Quer ainda pelo casuísmo que tal empreitada representa. 

Nada obstante essas objeções, não se deve desprezar a ideia de criação de tutelas específicas visando assegurar direitos cujas características, peculiaridades, importância ou relevância, exigem instrumento próprio ou vias específicas de seu resguardo, como forma de melhor ser garantida a ordem jurídica vigente.  

Diria também que o caráter didático e a possibilidade de ser minimizada qualquer discussão ou dúvida a respeito da previsão de uma ação específica em um código que cuida de direito material, são por demais salutares, chegando a justificar o bom alvitre que isso representa em termos de maior segurança e certeza no caminho que se quer trilhar. 

Por isso vejo como perfeitamente plausível a introdução no texto do novel código comercial de um instrumento processual capaz de alcançar objetivos bem definidos em termos de vícios que possam existir nas deliberações assembleares. 

Com isso evita-se um debate e consequente dificuldade de aceitação desse instrumento processual após o advento do código, pois sua facilitação estará atendida com os traços já delineados, seu alcance, objetivo e possibilidades, o que implica em ganho de tempo e objetividade na análise de um instrumento dessa natureza. 

Por isso é que aqui procuraremos sistematizar o instituto na forma em que se encontra proposta, pondo assim elementos de praticidade e facilitação no uso de tão relevante e justificável instrumento jurídico, quer nos debates que poderão ser travados no Congresso Nacional, quer na aplicação do instituto, vindo a ser aprovada a proposta pelo legislativo.

2. - OBJETO DA DEMANDA E NATUREZA DOS VÍCIOS QUE LEVAM A UMA NULIDADE ASSEMBLEAR

Um remédio jurídico processual para ser entendido, há de ter em sua definição e compreensão o delineamento de seu objeto, a fim de que se possa ter o seu domínio por ocasião de sua interpretação e aplicação. Com isso o resultado prático na busca de melhor aplicar o direito ficará facilitada e diminuirão os equívocos ou dúvidas que eventualmente possam surgir na tarefa do exegeta.  

Ao se cuidar de instrumento processual que visa tutelar algum direito é importante se saber e procurar definir todos os delineamentos do objeto a ser trabalhado, identificando seus elementos e natureza para que se possa enfim saber a que se presta o remédio jurídico estudado.

Por isso é que se proclama que a natureza do instituto processual restará compreendida quando se identifica seu objeto ou em sentido contrário. O objeto é que se prestará a identificar a natureza do remédio processual analisado.

Essa investigação torna-se relevante na espécie face ao fato de estarmos tratando de uma ação específica, visando tutelar direitos bem definidos dentro de um ramo da ciência jurídica que guarda peculiaridades próprias e por isso entendeu o legislador, diante da relevância da matéria, apontar, de logo, uma espécie de tutela processual para dar cabo a um ou alguns dos impasses que possam existir no simples fluir do direito tutelado.

Por isso é que o projeto, que em breve se tornará lei, prevê como possível de se buscar o judiciário, quando estivermos diante de deliberações assembleares, as quais podem conter um vício formal ou material, antecedente ou posdeliberação.

As empresas de médio ou grande porte sejam elas sociedades anônimas abertas ou fechadas, públicas ou privadas, por ações ou por cotas de responsabilidades limitadas, costumam ou estão obrigadas a deliberar todos os temas de importância e relevância do empreendimento através de assembleias onde são definidos todos os rumos da sociedade, decididas todas as questões importantes e deliberados os caminhos a seguir. 

É possível, portanto, que em atos dessa natureza e magnitude haja vícios, defeitos ou irregularidades que possam afetar direitos de um ou alguns sócios ou de terceiros. Essa circunstância pode levar a uma autocorreção do ato, mas pode ocorrer resistência ou inviabilidade de utilização desse caminho, restando a via judicial como opção a ser seguida diante da impossibilidade de solução do conflito pela via direta ou extrajudicial. 

Por isso é que, diante da possibilidade de se contar com defeitos por força de vícios legais, contratuais ou estatutários, desde a convocação ou instalação da assembleia, como afirma o projeto, ou ainda, conter vícios formais ou materiais por ocasião da própria deliberação no correr ou desenrolar das atividades assembleares e por último a possibilidade do vício surgir em decorrência do exercício do voto, é que se precavendo dessas ciladas houve-se por bem propor a criação do remédio processual adequado. 

Todos esses são pontos elencados no projeto que podem ensejar a necessidade de se buscar o judiciário como forma de corrigir, inibir, reparar, prevenir ou acautelar situações ou prejuízos presentes e futuros, os quais não devem ficar a mercê da dúvida ou incerteza quanto ao caminho a seguir. Pelo menos numa boa parcela de probabilidade de vícios, já é possível sabermos o que se pode fazer.

Importante destacar aqui um aspecto que o projeto revela com perspicácia. É que, além dos objetos aqui delimitados no projeto, há outro cuja circunstância se traduz no fato de ter havido deliberação em assembleia com algum vício que possa comprometer deliberações futuras sejam por nova assembleia ou por ato ou decisão da diretoria, seja na formulação de políticas econômicas ou financeiras da empresa, seja na formação de contratos futuros ou outra relação jurídica qualquer que pende de alguma deliberação posterior, porém o vício poder está contido em uma das situações anteriormente arroladas e com isso impossibilitar a validade do futuro ato, em razão da invalidade do ato anterior.

Para tanto, o § 1º do art. 1.010 do projeto, prevê a possibilidade de também serem passiveis “de invalidação as deliberações subsequentes que dependam da validade ou eficácia da deliberação objeto da ação, podendo o Autor” da tutela jurisdicional: “I – formular pedido genérico de invalidação das deliberações subsequentes, as quais serão individualizadas em sede de liquidação de sentença; ou II – formular pedido de invalidação individual das assembleias ou deliberações subsequentes em ação autônoma”.

Então, aqui temos as seguintes situações. Num primeiro momento a possibilidade de invalidação de deliberações subsequentes, cujo vício advém de uma das hipóteses de vícios contidas na cabeça do art. 1.010, do projeto. Em um segundo momento, na própria ação ajuizada se formular, desde já pedido genérico de invalidação de deliberações subsequentes, as quais poderão ser individualizadas em sede de liquidação de sentença, na hipótese confirmação do eventual acontecimento futuro. Uma terceira hipótese é não ter havido pedido genérico na ação proposta sobre deliberações subsequentes, mesmo assim estará resguardada a possibilidade de invalidação individual das assembleias em ação autônoma quanto a essas deliberações. É o que se infere desse parágrafo primeiro. 

O que pode surgir como dúvida no debate é o fato de se formular um pedido na ação, desde logo, de forma genérica, a respeito de fato ou ato futuro, sem se saber ao certo se irá ocorrer ou não. O questionamento é pertinente e merece maior aprofundamento e reflexão.

Aspecto interessante ainda é o que dita o § 2º, desse mesmo artigo 1.010 do projeto. O dispositivo faz uma espécie de recomendação para que se possa fracionar a liquidação, recaindo a hipótese do inciso I do § 1º, em casos de individualização de “parte das deliberações subsequentes, preservando-se aquelas que não tragam prejuízo à sociedade”. Lógico que essa possibilidade está atrelada ao fato da proposta vir a ser aprovada e o ato ou fato futuro vir a ocorrer.

Então, temos como objeto dessa espécie de demanda aquilo que restou definido nos incisos do art. 1.010 do projeto, além da possibilidade de pedido genérico, a par de atos ou decisões futuras que possam ser alcançadas ou prejudicadas em razão do vício principal que venha a ser trabalhado na ação que vier a ser ajuizada. 

Eis aqui de forma resumida o que a futura lei pode trazer como objeto da ação de invalidação de deliberações assembleares. É possível que se diga que não havia necessidade do legislador de um código comercial cuidar de tal matéria. Pode-se ainda afirmar que há incompletude da lei. Ou que a lei foi além do que deveria e assim por diante. 

O certo é que o projeto, ao meu sentir anda bem e se vier a se transformar em lei esse instituto, atenderá ao mínimo que é a boa imagem didática do projeto. Facilitação da compreensão dos institutos jurídicos e utilização das vias processuais adequadas para situações como a que se encontram postas. 

Ao invés de se trabalhar em discussões quanto ao cabimento dessa espécie de ação e o alcance que ela poderia ter na hipótese de aceitação. Há de se trabalhar doravante com o que já existe no direito posto quando o projeto for aprovado e se procurar aperfeiçoar, alargar, fazendo albergar novas situações, na hipótese da casuística das relações jurídicas e evolução das coisas o exigirem. 

Parece-nos que assim deve ser vista a iniciativa do projeto e clamemos para que ela atinja seu desiderato. 

3. - SUJEITOS ATIVOS E PASSIVOS DA RELAÇÃO JURÍDICA PROCESSUAL.

Estamos diante dos chamados elementos subjetivos da relação jurídica processual, quando se visualiza o processo sob o ângulo da corrente doutrinária que vê esse instrumento formal como uma relação jurídica. 

Dentre os sujeitos do processo identificamos aqui, o chamado sujeito ativo ou parcial da relação jurídica instrumental. 

O projeto preocupou-se com esse dado. Assim é que prevê como legitimado ativo no art. 1.012, para esta espécie de ação, somente o sócio ou acionista que se encontre em uma dessas condições por ocasião da deliberação da assembleia objeto do pedido de invalidação. Não sendo sócio ou acionista nesse instante, não tem legitimidade para ir a juízo. Pela disposição que se encontra expressa no projeto, mesmo vindo a integrar a sociedade a posteriori, não pode ser legitimado para a ação. 

É preciso que esse sócio ou acionista tenha votado em sentido contrário ao que foi deliberado ou não tenha participado da votação por qualquer motivo, seja por abstenção estando presente, seja por não se encontrar presente ao ato de deliberação. 

 A lógica das coisas indica - e o parágrafo único do mesmo artigo não deixou passar em branco -, o fato de que o sócio ou acionista que votou favoravelmente a deliberação assemblear, a qual está sendo questionada não tem legitimidade para ajuizar essa espécie de ação. Ou seja, não pode participar do polo ativo da demanda. Pode, no entanto, participar do polo passivo ou integrar na condição de assistente litisconsorcial prevista no § 4º, do art. 1014 do projeto.  

Podemos assim afirmar que estamos diante de uma legitimação ordinária, onde o titular do direito ou titular de uma fração do direito material pode ingressar em juízo visando proteger prejuízo ou ameaça a prejuízo de seu patrimônio.

No polo passivo da demanda deve ser indicada em primeiro plano a sociedade cuja deliberação assemblear esteja sendo questionada, ou  sendo objeto da ação.

Aqui cabe a indagação se é possível algum sócio ou acionista participar da relação jurídica processual no polo passivo da demanda. A resposta é positiva. 

A propósito o § 4º, do art. 1.014 do projeto, prevê a possibilidade de intervenção de qualquer sócio ou acionista passar a integrar um dos polos da relação jurídica processual após o prazo de quinze dias da expedição da comunicação aos demais sócios ou acionistas que não vieram aos autos com a inicial. 

É certo que esse dispositivo fala na hipótese dessa integração se dar como assistente. Essa assistência, no entanto, deve ser entendida como litisconsorcial, pois ela pode, segundo o mesmo parágrafo, aduzir razões de defesa, complementar a causa de pedir, o que enseja a se afirmar que não estamos diante de uma assistência simples, vez que, com essas responsabilidades estará esse assistente sofrendo os efeitos da sentença após o seu trânsito em julgado. 

3. - PROCEDIMENTO A SER ADOTADO.

Quanto ao procedimento, há uma preocupação no projeto em se eleger o comum ordinário do Código de Processo Civil, não sem antes afirmar, naquilo que couber. 

O dispositivo tem em vista o fato de que na realidade estamos diante de uma ação especial, quer quanto ao rito, quer quanto à matéria e as peculiaridades que são exigidas nesse instrumento processual, indica num primeiro momento que estamos diante de uma via judicial específica. 

Assim, na parte em que o projeto recomenda que se deva utilizar o procedimento comum ordinário do código de processo civil, diz respeito ao que o presente capítulo desta ação especial for omisso. Dessa forma, há de se buscar o máximo possível de utilização das especificidades oferecidas no remédio jurídico aqui estudado. Somente em sua falta e na necessidade de alargar meios de cognição indispensáveis ao deslinde das questões postas é que se devem buscar subsidiariamente as luzes do processo civil. 

As peculiaridades da presente ação quanto ao seu procedimento iniciam-se com o fato de que a citação da empresa quanto ao ajuizamento da ação não será para apresentar defesa. Ela será para que a sociedade no prazo de cinco dias expeça comunicado individualizado a todos os seus sócios, noticiando a propositura da ação, informando o número do processo, a vara e o nome do autor. 

Em se tratando de sociedade anônima aberta, no mesmo prazo de cinco dias, deve publicar em seu sítio na rede mundial de computadores aviso com o mesmo conteúdo a que alude a cabeça do art. l.014 do projeto. Esse aviso ficará acessível até o encerramento do feito. 

Após o término do prazo de cinco dias antes referido a sociedade deve comprovar, no processo, a adoção das providências antes descritas. Portanto, cumprida essa primeira fase ritualística, o juiz do feito deve ser comunicado dessa formalidade.  

Somente com o encerramento deste último prazo a sociedade ou empresa será intimada para apresentar sua defesa. Não se faz referência ao prazo de defesa. É aí que entra a aplicação subsidiária da lei instrumental civil e com isso se entender ser de quinze dias. A forma da defesa, produção de provas e outras práticas de atos processuais deve seguir o código de ritos. 

Assim, temos dados que indicam as características especificas desta ação e ao mesmo tempo, a necessidade de nos valermos das normas do código de processo civil, de forma subsidiária, para que possa ser emprestada a maior cognição possível ao deslinde da controvérsia. 

Outro aspecto interessante apresentado no projeto na parte do procedimento diz respeito a questão relativa ao instituto da prevenção, o qual encontra-se delineado no art. 1.013, recomendando-se que na hipótese de ajuizamento da ação no foro competente, o juízo se tornará prevento para receber outras ações que tenham o mesmo pedido, ainda que com diferentes causas de pedir. 

Essa hipótese é possível quando mais de um legitimado ativo venha a ajuizar ações diversas por não se terem acorrido ao mesmo processo, ou entenda que o fato de existir causa de pedir, eventualmente distinta, poderia não caracterizar a prevenção. Assim, dissipando qualquer dúvida o projeto já define o caminho a ser seguido. 

Ainda recomenda nessa circunstância que as ações que possuam o mesmo pedido venham a ser julgadas conjuntamente, como prevê o § 1º,  formando assim o mesmo entendimento sobre a matéria. O dispositivo tem razão de ser pela exigência de unidade de pensamento, isonomia na definição do direito material em discussão, evitar discrepância de julgamentos e facilitar a compreensão de como se deve agir em circunstâncias dessa natureza.  

4. – MEDIDAS CAUTELARES. 

O projeto preocupou-se também com a possibilidade de utilização de medida cautelar, seja antecipando os efeitos da tutela a ser concedida, seja acautelando providências para atendimento ao princípio da utilidade do processo. 

Aqui se achou por bem apenas prevê a possibilidade de tutela acautelatória ou antecipatória, deixando os procedimentos a serem adotados de acordo com o código de processo civil. 

Não há dúvida que estamos diante de situação em que pode ser utilizada a cautelar de forma preparatória, na hipótese de justificativa dessa circunstância, seja incidentalmente, sendo a primeira através de ação autônoma, enquanto a segunda pode ser uma medida requerida na inicial ou no curso do processo, em qualquer fase. Nos dias atuais são esses os elementos que podemos extrair abreviadamente do sistema acautelatório na ordem processual vigente no país. 

Ao ser requerida a medida cautela, pode ainda o juiz exigir, se for o caso, a prestação de caução por parte do autor. Essa, na realidade é uma contracautela, a qual o projeto denomina de caução em que visa evitar prejuízo na hipótese de cautelar ser concedida e se transformar o instrumento processual aqui comentado em aventuras desprovidas de fundamentação e razão plausível para sua justificativa. 

Aliás, com relação a caução o projeto ainda teve o cuidado, no § 2º, do art. l.013, de facultar ao juiz a possibilidade “de exigir prévia caução pelo autor em quantia equivalente ao valor dos ônus sucumbenciais e ao possível prejuízo que venha a ser causado ao réu”

Dessa forma, temos duas espécies de caução. Uma entendida como contracautela à medida cautelar deferida. Outra de natureza cautelar ou asseguradora da garantia dos efeitos acessórios da sucumbência e em relação a qualquer prejuízo que vier a demandada sofrer com a utilização da ação desprovida de justificativa. A primeira está inserida no art. 1015 do projeto. A outra está prevista no § 2º do art. 1.013.

Importante frisar e esclarecer que essas duas cauções possuem natureza ou relação com a cautelar. A primeira, como já afirmado, é uma contracautela ao pedido ou concessão da cautelar. A outra possui natureza cautelar, uma vez que visa assegurar ou garantir ressarcimento dos efeitos acessórios da ação ou qualquer prejuízo com a utilização da ação desprovida de justificativa. Essa cautelar é assegurada ao Réu, enquanto a cautelar do art. 1015 é garantia do Autor, pois enquanto uma é a favor do Demandado, outra é a favor do Demandante.  

Outro aspecto que merece realce é o fato de que essas medidas não devem se confundir com outro ponto que vai ser analisado mais adiante quanto ao abuso de direito de ação previsto no art. 1016 do projeto, o qual prevê também reparação do dano, porém aí já em sede de definição da inexistência do direito e configuração de deslealdade processual.

Assim, resta garantida a possibilidade de cautelar, porém assegurado o direito de contracautela. Ainda, como medida acauteladora pode existir caução para assegurar as despesas oriundas de ônus sucumbenciais e ainda na hipótese de ser ajuizada ação de cunho temerário que venha causar prejuízo ao(s) demandado(s). 

Art. 1015. O juiz pode, a pedido do autor, conceder tutela antecipada

ou medida acautelatória, nos termos da legislação processual, inclusive

exigindo, se for o caso, a prestação de caução por parte do autor.

Art. 1.013. § 2º. O juiz pode exigir prévia caução pelo autor em quantia

equivalente ao valor dos ônus sucumbenciais e ao possível prejuízo que

venha a ser causado ao réu.

ABUSO DO DIREITO DE AÇÃO

Aspecto importante sobre a presente ação de nulidade é o fato da mesma poder ser utilizada de forma a se constituir em um verdadeiro abuso de direito. Isso ocorrendo há possibilidade de ser reparado o prejuízo.

O abuso do direito de ação aqui falado corresponde a litigância de má-fé prevista no código de processo civil, a qual também enseja responsabilidades e ressarcimento de despesas, além de multa. O projeto em boa hora prevê essa possibilidade em seu art. 1.016, como forma de inibir o uso abusivo do instrumento processual e desde logo restam claras e definidas as responsabilidades dos sujeitos, especialmente o autor que venha a se utilizar do instituto jurídico fora de contexto ético e leal.  

Por essa razão o projeto em seu art. 1.016, prevê a possibilidade do autor vir a ser condenado por litigância de má-fé, devendo aí incidir uma multa de dez (10%) sobre o valor da causa, além de indenização por perdas e danos, até o montante do prejuízo sofrido pelo réu, as custas do processo e os honorários advocatícios.

A circunstância aqui analisada e objeto desse dispositivo do projeto não pode se confundir com as cauções analisadas no capítulo das medidas cautelares. É que ali elas são exigidas como prevenção de contracautela ou como cautelar caucionável da sucumbência ou prejuízos com uma ação temerária.

Aqui poder-se-ia dizer que a hipótese é de reparação de prejuízos quando estamos diante de ação temerária. Só que aqui o dispositivo se destina a hipótese de haver sido reconhecida na sentença a circunstância de ter havido litigância de má fé, acrescendo ainda uma multa de dez por cento (10%). 

Assim, podemos dizer que aqui estamos diante de efeitos do julgado através da sentença proferida, enquanto no art. 1015 e § 2º, do art. 1013, as medidas são apenas acauteladoras. Pode até os valores acautelados servirem para cobrir os prejuízos aqui reconhecidos, mas as medidas, as naturezas e os momentos são distintos. 

O que temos na realidade é uma carga de precaução bastante enfática quando estivermos diante de uma ação que não esteja amparado em um bom direito ou venha ao final a ser constituir num verdadeiro fracasso, diante de uma deslealdade processual. 

Portanto, em arremate podemos afirmar que o abuso de direito de ação pode vir a se constituir quando na sentença o julgador venha a reconhecer a improcedência do pleito e ainda assim verificar que se configura a hipótese de litigância de má-fé, o que implica em aplicação de multa, indenização por perdas e danos e reparação das custas e honorários advocatícios. 

Art. 1016. O exercício abusivo do direito de ação previsto neste

Capítulo importa a condenação do autor por litigância de má-fé, com

aplicação de multa de até 10% sobre o valor da causa, de indenização por

perdas e danos, até o montante do prejuízo sofrido pelo réu, e, ainda, custas e honorários advocatícios.

EFEITOS DA SENTENÇA NA AÇÃO DE NULIDADE ASSEMBLEAR

Ao término de uma demanda algo deverá constar como resultado final da pretensão que se busca em juízo. Esse algo pode ser traduzido em efeitos que a sentença pode produzir. 

Efeito aqui entendido como os elementos ou objetos que resultaram do julgado. Dito de outra forma. Bem da vida que chegou a ser definido no julgado. 

Quando a pretensão é acolhida esse bem da vida pode se constituir em efeitos declaratórios, constitutivos, condenatórios, mandamental ou executivo lato sensu. 

Quanto aos efeitos condenatórios podem ser traduzidos através das obrigações de fazer e não fazer, entrega de coisa e por quantia certa (pagar). 

Esses efeitos são conhecidos também como aqueles que se define como limites objetivos da coisa julgada. Esses objetos uma vez definidos na sentença e transitada em julgada esta, estão assim delimitados os seus parâmetros pelo judiciário. 

Mas os efeitos podem se produzir, após o trânsito em julgado da sentença no campo subjetivo. Aí teremos os chamados limites subjetivos da coisa julgada. 

Constituem-se os mesmos em alcançar ou se estender os efeitos da sentença com relação a quem participou do processo ou a quem não participou da relação jurídica processual. 

É comum se afirmar e reconhecer que quando se trata de processo na defesa de direitos individuais (mesmo plúrimos), se afirmar que os efeitos são inter partes ou entre as partes, as quais participaram do processo. 

Quando estamos diante de processo coletivo ou na defesa de direitos coletivos, os efeitos da sentença após o trânsito em julgado se dar na forma erga omns ou ultra partes.

No caso da presente ação o projeto prevê em seu art. 1.014, § 6º, que “independentemente do seu resultado, a sentença que resolver o mérito faz coisa julgada ultra partes, limitada à sociedade, aos seus sócios e aos réus da ação”. 

Como já afirmado a sentença, quando se trata de proteção de direitos individuais, em regra só produzirá seus efeitos após o trânsito em julgado, em favor ou contra ou em relação às partes que participaram do processo. 

No presente caso seriam o autor ou autores da ação, a sociedade ou empresa que necessariamente encontra-se no polo passivo da demanda e outro demandado que tiver ingressado na ação nessa circunstância. 

Então, precisa ser explicada a expressão “faz coisa julgada ultra partes” constante do projeto. É que uma vez posta esse enunciado não estamos diante de hipótese em que os efeitos da sentença após o trânsito em julgado são extensíveis apenas aos sujeitos participantes da relação jurídica processual. Os efeitos da sentença quanto ao aspecto subjetivo vão além, pois o projeto expressa esse sentido. 

Estamos diante, portanto, de situação em que os efeitos da sentença alcançam outros sujeitos que não participaram do processo. Assim, a sentença produz efeito subjetivo também em relação a quem não participou da relação jurídica processual, mas limitado à sociedade, aos seus sócios e aos réus da ação. 

Quanto a sociedade e aos réus da ação o alcance é óbvio. O mesmo se diga com relação aos autores e litisconsortes em um polo ou outro. O problema reside na hipótese em que o sócio ou acionista mesmo ciente do processo não o integrou. Mesmo assim, estará alcançado pela coisa julgada. Ou seja, nos limites subjetivos da sociedade, sócios e réus da ação, todos serão albergados pela coisa julgada.

Art. 1.014 § 6º. Independentemente do seu resultado, a sentença que resolver o mérito faz coisa julgada ultra partes, limitada à sociedade, aos seus sócios e aos réus da ação.

§ 7º. Na hipótese de improcedência do pedido, não será admitida a propositura da mesma ação, ainda que por outro sócio, salvo se comprovado que o autor não havia representado adequadamente os interesses dos sócios favoráveis à procedência da ação, observados, na análise da representação adequada, os requisitos previstos no artigo 1.001.

CONCLUSÕES.

  1. 1. – O projeto de Código Comercial atualmente em discussão no Congresso Nacional, achou por bem cuidar de uma ação específica de invalidação de deliberações assembleares.

2. – consta do projeto como objeto da demanda: vícios legais, contratuais ou estatutários, desde a convocação ou instalação da assembleia; vícios formais ou materiais por ocasião da própria deliberação no correr ou desenrolar das atividades assembleares e por último a possibilidade do vício surgir em decorrência do exercício do voto,

  - o procedimento da presente ação é especial pelas peculiaridades que a demanda apresenta, no entanto, deve ser aplicado subsidiariamente o Código de Processo Civil, especialmente no rito ordinário, quando isso for possível. 

  - Há possibilidade de cautelar, porém assegurado o direito de contracautela. Ainda, como medida acauteladora pode existir caução para resguardar as despesas oriundas de ônus sucumbenciais e na hipótese de ser ajuizada ação de cunho temerário que venha causar prejuízo ao(s) demandado(s).

  - o ajuizamento da ação pode se constituir em um abuso de direito reconhecido na sentença quando da improcedência do pleito e ainda assim o julgador verificar que se configura a hipótese de litigância de má-fé, o que implica em aplicação de multa, indenização por perdas e danos e reparação das custas e honorários advocatícios.

- os efeitos da sentença podem ser estender às partes as quais participaram da relação jurídica processual, além de terceiros que não tenham integrado nenhum de seus polos. 

Capítulo VI - Das ações de invalidação de deliberações assembleares.

A AÇÃO DE ANULAÇÃO DE DELIBERAÇÃO DE ASSEMBLÉIA NA SOCIEDADE

ANÔNIMA

Guilherme Carvalho Monteiro de Andrade*

Sumário: Introdução; 1. Considerações preliminares; 2. Espécies de Assembléia;

3. Formalidades para convocação, instalação e realização; 4. Modalidades de

Vícios – Causa de Pedir; 5. Legitimação ativa e passiva; 6. Prescrição; 7. Pedido. 8.

Procedimento. Conclusão.

INTRODUÇÃO

A assembléia da sociedade anônima é a reunião dos acionistas da companhia que tem por objetivo deliberar sobre o desenvolvimento das atividades empresárias.

Nesse encontro os acionistas tomam conhecimento dos assuntos ordinários e extraordinários relativos aos negócios sociais e, após o debate acerca das questões colocadas em análise, decidem

quais serão os rumos da companhia.

A validade da assembléia exige a observância de alguns aspectos formais e materiais estipulados na Lei nº 6.404/76 (LSA), no que diz respeito à convocação, à instalação e à realização do conclave.

Caso exista irregularidade na convocação da assembléia, ou na hipótese de sua instalação ocorrer sem a presença do quorum legal mínimo, ou, ainda, se algum acionista votar contrariamente aos interesses da companhia, por exemplo, a deliberação tomada ou todo o conclave poderão ser invalidados judicialmente.

A análise desses vícios e das questões que envolvem a ação de anulação de assembléia (ou de alguma de suas deliberações) será, portanto, o objeto do presente artigo.

1. CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES

Antes de adentrarmos no exame do ponto central do estudo, é preciso tecer algumas observações, para melhor compreensão do assunto.

O artigo 121, da LSA, prevê que “a assembléia geral, convocada e instalada de acordo com a lei e o estatuto, tem poderes para decidir todos os negócios relativos ao objeto da companhia e tomar as resoluções que julgar convenientes à sua defesa e desenvolvimento”.

Como conseqüência da interpretação da referida norma, percebe-se que a assembléia deve respeitar aspectos legais e estatutários, para que não seja impugnada e para que suas deliberações

* Graduado em Direito pela Faculdade de Direito Milton Campos, Mestrando em Direito Empresarial pela

Faculdade de Direito Milton Campos, Advogado.

sejam consideradas válidas.

A assembléia é o instrumento pelo qual os acionistas decidem sobre quaisquer negócios relativos à companhia, somando suas vontades individuais, a fim de alcançar a formação da vontade da sociedade (da coletividade de acionistas).

A deliberação tomada em assembléia configura um processo complexo, composto pela exposição, debate e votação de cada matéria colocada em pauta.

De outro lado, também se revela importante consignar que a assembléia geral é “um órgão necessário, que não pode faltar em nenhuma companhia, nem ser substituído, quanto à sua competência e funções, por qualquer outro”1.

A assembléia é um órgão interno e soberano2, que não tem poderes para representar a companhia (somente a diretoria poderá fazê-lo), cujo poder não deriva de nenhum outro órgão da sociedade.

Como ensina Aloysio Lopes Pontes, citando Constans, a assembléia é o poder legislativo da sociedade, pois é ela é que faz os estatutos, ‘que são as leis da sociedade, reformam-nos, realizam os contratos mais importantes que afetam a sociedade ou aqueles outros que, por sua condição legal, não os podem realizar os administradores’.3

É a assembléia, então, talvez o órgão mais importante da administração da companhia, vez que se trata de órgão de deliberação, que representa a vontade coletiva manifestada pela expressão individual dos titulares de ações.

2. ESPÉCIES DE ASSEMBLÉIA

Existem dois tipos de assembléia, as ordinárias (AGO) e extraordinárias (AGE), cada qual tratando de matéria própria, definida em lei.

As assembléias gerais ordinárias devem ser realizadas nos quatro primeiros meses seguintes ao término do exercício social, sendo a sua finalidade precípua (i) tomar as contas dos administradores, deliberando sobre demonstrações financeiras apresentadas, (ii) decidir sobre a destinação do lucro líquido do exercício e a distribuição de dividendos e (iii) eleger administradores e membros do conselho fiscal, se for o caso.

As demais atribuições das assembléias gerais ordinárias estão enumeradas pelo art. 122, da

1 CARVALHOSA, Modesto. Comentários à lei de sociedades anônimas: lei 6.404, de 15 de dezembro de 1976.

São Paulo: Saraiva, 1998. v. 2, p. 510.

2 Obra citada na nota anterior.

3 PONTES, Aloysio Lopes. Sociedades anônimas. 5. ed. rev. ampl., adaptada à lei nº 9.457, de 06.05.1977. Rio de

Janeiro: Forense, 1999. v. 2, p. 83.

LSA.4

No que diz respeito à AGE, prevê o art. 131, da LSA, que ela deverá tratar das matérias

não atinentes à AGO. Em outras palavras, significa dizer que, se a lei não definir a atribuição para a AGO, a competência será residual da AGE.

Com esta distinção, o Legislador estabeleceu como competência indelegável da AGO algumas matérias consideradas essenciais à vida da companhia. Logo, não pode o estatuto, tampouco qualquer outro órgão da companhia, delegar atribuição da AGO para outrem, a menos que a lei o autorize5.

Esta diferenciação, destarte, será fundamental para o exame das hipóteses em que a deliberação tomada em assembléia (ou todo o conclave) pode ser invalidada por algum acionista.

3. FORMALIDADES PARA CONVOCAÇÃO, INSTALAÇÃO E REALIZAÇÃO

Dispõe o art. 123, da LSA, que compete ao conselho de administração ou aos administradores a convocação da assembléia geral, fixando os prazos previstos para que se realize o chamamento aos acionistas.

No caso de o órgão ou de as pessoas encarregadas pela convocação não se desincumbirem dessa obrigação dentro do prazo estabelecido pela lei ou pelo estatuto, o chamamento poderá ser realizado por qualquer acionista, se decorridos mais de 60 (sessenta) dias, ou por acionistas minoritários, que detenham, pelo menos, 5% (cinco por cento) do capital social ou votante, conforme o interesse da convocação.

Assim, para que seja reputada válida, a convocação deve ser realizada pelo órgão ou pessoa competente.

4 “Art. 122. Compete privativamente à assembléia-geral:

I - reformar o estatuto social;

II - eleger ou destituir, a qualquer tempo, os administradores e fiscais da companhia, ressalvado o disposto no

inciso II do art. 142;

III - tomar, anualmente, as contas dos administradores e deliberar sobre as demonstrações financeiras por eles

apresentadas;

IV - autorizar a emissão de debêntures, ressalvado o disposto no § 1º do art. 59;

V - suspender o exercício dos direitos do acionista (art. 120);

VI - deliberar sobre a avaliação de bens com que o acionista concorrer para a formação do capital social;

VII - autorizar a emissão de partes beneficiárias;

VIII - deliberar sobre transformação, fusão, incorporação e cisão da companhia, sua dissolução e liquidação,

eleger e destituir liquidantes e julgar-lhes as contas; e

IX - autorizar os administradores a confessar falência e pedir concordata.

Parágrafo único. Em caso de urgência, a confissão de falência ou o pedido de concordata poderá ser

formulado pelos administradores, com a concordância do acionista controlador, se houver, convocando-se

imediatamente a assembléia-geral, para manifestar-se sobre a matéria”.

5 A propósito, Modesto Carvalhosa defende essa posição, citando ensinamento de outros autores, na obra

Comentários à lei de sociedades anônimas, v. 2, p. 519-520.

Lado outro, “a convocação far-se-á mediante anúncio publicado6 por 3 (três) vezes, no mínimo, contendo, além do local, data e hora da assembléia, a ordem do dia, e, no caso de reforma do estatuto, a indicação da matéria” (art. 124, da LSA).

Além disso, é preciso preencher o quorum mínimo de instalação da assembléia, seja ele relativo às matérias comuns (art. 126, da LSA) ou para questões que exijam número de presentes qualificado (art. 136, da LSA).

Se alguma dessas formalidades não for observada, a assembléia poderá ser anulada, a menos que nela comparecerem todos os acionistas detentores de ações com direito a voto.

Ademais, para que o conclave seja reputado válido, também é necessário que o quorum de deliberação respeite a disposição legal (arts. 129 e 136, da LSA) e estatutária, bem assim que a assembléia seja competente para deliberar sobre a matéria constante da ordem do dia, como já foi visto anteriormente.

Noutra banda, a realização da assembléia deve respeitar um ritual próprio, definido pelos arts. 127 a 129, da LSA.

Logo, o desrespeito às disposições legais e estatutárias confere aos acionistas o direito de insurreição, a faculdade de pleitear judicialmente a anulação dessa assembléia irregular (ou da deliberação inválida), visando especialmente a proteção de seu interesse particular ou a defesa da companhia.

4. MODALIDADES DE VÍCIOS DAS ASSEMBLÉIAS – CAUSA DE PEDIR

Para melhor compreensão da ação de anulação de assembléia, é mister trazer à baila uma separação dos vícios feita por Erasmo Valladão Azevedo e Novaes França, pela sua didática e simplicidade.

Como ensinam os referidos autores, os vícios que podem acarretar a anulação de assembléia subdividem-se em três espécies:

a) vício da própria assembléia – que pode ter sido irregularmente convocada (ou

mesmo, não convocada) ou instalada, por força de violação da lei ou do estatuto,

hipótese em que o vício, obviamente, atingirá todas as deliberações que nela forem

tomadas;

b) vício das deliberações – nessa hipótese, os vícios dizem respeito às próprias

deliberações assembleares, que podem ter sido tomadas, todas ou algumas delas

apenas, com violação da lei ou do estatuto;

c) vício de voto – um ou alguns dos votos que concorreram para a formação da

deliberação (ou mesmo todos eles, em alguns casos), podem ter sido viciados em

razão de erro dolo, fraude, ou simulação (ou, ainda, em virtude da incapacidade dos

votantes, ou de violação do disposto nos §§1ºs, do art. 115 e do art. 134, ou no § 2º

do art. 228).7

6 Conforme regra constante do art. 289, da LSA.

7 AZEVEDO, Erasmo Valladão; FRANÇA, Novaes. Invalidade das deliberações de assembléia das S.A.. São

Paulo: Malheiros Editores, 1999. p. 85.

Em relação à distinção transcrita acima, é preciso consignar, em primeiro lugar, que a identificação precisa do tipo do vício será fundamental para que o acionista possa utilizar-se da correta ação de anulação de assembléia.

Há casos em que toda a assembléia poderá ser invalidada, ou somente parte das deliberações tomadas no conclave, dependendo da espécie de vício ocorrida.

Ademais, embora não conste da Lei de S/A expressamente, a doutrina mais avisada defende a hipótese de ser possível anulação de assembléia, se restar presente o vício de voto oriundo de coação, quando esse voto concorrer para a formação da maioria no conclave8.

Fora isso, outra situação não prevista claramente na Lei de S/A diz respeito aos casos em que o vício verificado na assembléia é tão grave, que atente contra a ordem pública ou contra os bons costumes, ou, ainda, que infrinja direito de terceiros.

Nessas hipóteses, a mácula representa a nulidade do ato, não se enquadrando, então, no regime de anulabilidade estabelecido pelo art. 286, da LSA9. O pedido dessa ação será, assim, a declaração de nulidade do ato inquinado.

Daí porque será necessário que se analise o caso concreto com muito cuidado, identificando-se o vício que se pretende atacar, para definir pela ação declaratória de nulidade do ato, ou pela ação de anulação (total, ou parcial) da assembléia realizada pela companhia.

5. LEGITIMAÇÃO ATIVA E PASSIVA

No que diz respeito à legitimação ativa para a utilização da ação de declaração de nulidade de assembléia (ou de alguma de suas deliberações), “qualquer interessado” ou o Ministério Público10, quando lhe couber intervir11, poderá ser autor da demanda neste caso.

Além dessas pessoas, estará legitimado a buscar a declaração de nulidade qualquer acionista, mesmo aqueles que votaram favoravelmente à deliberação inquinada pelo vício que se pretende combater12, na medida em que os efeitos dessa mácula são extremamente graves e, em razão disso, devem ser combatidos com rigor.

Em qualquer um desses casos, o autor da referida ação declaratória deverá demonstrar o 

Nesse sentido, confira-se Modesto Carvalhosa, citando Miranda Valverde, na obra Comentários à lei de

sociedades anônimas, v. 4, p. 432.

9 Azevedo e França defendem essa posição, colacionado escólio de abalizados autores. A propósito, conferir

págs. 106 e seguintes da obra Invalidade das deliberações de assembléia das S.A..

10 Ao ensejo, verificar norma contida no art. 168, do Código Civil de 2002.

11 A Lei nº 7.913/89 dispõe sobre a ação civil pública de responsabilidade por danos causados aos investidores

do mercado de valores mobiliários – conferir, a propósito, CORRÊA-LIMA, Osmar Brina. Sociedade anônima.

3. ed. rev. e atual. Belo Horizonte: Del Rey, 2005. p. 410.

12 Aloysio Lopes Pontes defende o contrário, fundamentando-se, inclusive, em julgados que colaciona a seu

trabalho. Confira-se pág. 120, da obra Sociedades anônimas. 5. ed. rev. ampl., adaptada à lei nº 9.457, de

06.05.1977. Rio de Janeiro: Forense, 1999. v. 2.

seu interesse de agir13, sob pena de sua pretensão ser rejeitada pelo Judiciário.

Na hipótese da ação de anulação da assembléia (ou de alguma deliberação), por sua vez, a legitimação ativa ad causam será, em regra, somente do acionista que votou contrariamente à deliberação que se pretende anular ou àquele que se absteve de votar no conclave.

Contudo, se o acionista que tiver votado favoravelmente ao ato que se pretende anular tiver agido impulsionado por algum vício de consentimento, ele também estará legitimado a pedir a anulação da deliberação tomada ou de toda a assembléia.

Há discussão doutrinária14 sobre a legitimidade ativa de outras pessoas, como, por exemplo, do acionista que ingressou na companhia depois de tomada a deliberação, do usufrutuário em relação ao nu-proprietário da ação, do administrador e do conselho fiscal da companhia, de credores e de terceiros, assunto que se revela demasiadamente tormentoso e, portanto, será reservado para outro artigo.

Assim, a questão da legitimidade ativa para a propositura da ação de anulação de deliberação de assembléia (ou de alguma de suas deliberações) deve ser analisada de acordo com essas observações.

Noutro giro, quanto ao pólo passivo da ação de anulação e da ação de declaração nulidade, a doutrina é pacífica em admitir como parte legítima a companhia.

Haverá casos, todavia, nos quais o acionista que tiver cometido abuso no exercício do direito de voto poderá ser incluído no pólo passivo da demanda, em litisconsórcio com a companhia, se houver pedido de ressarcimento de danos formulados contra ele.

Logo, em princípio, a companhia será a parte legitimada para responder à ação de declaração de nulidade ou à ação de anulação de assembléia (ou de alguma de suas deliberações).

6. PRESCRIÇÃO

Conforme previsão contida no art. 286, da LSA, a ação para anular as deliberações tomadas em assembléia-geral ou especial, irregularmente convocada ou instalada, violadoras da lei ou do estatuto, ou eivadas de erro, dolo, fraude ou simulação prescreve em 2 (dois) anos, contados da deliberação.

Embora o marco inicial definido na lei seja a data da deliberação, importante registrar que a doutrina mais avisada15 já sedimentou o entendimento de que o termo a quo começa da publicação da deliberação.

13 Azevedo e França sustentam esse entendimento, colacionado ensinamento de Orlando Gomes e Pontes de

Miranda, na pág. 119 da obra Invalidade das deliberações de assembléia das S.A..

14 Obra de Azevedo e França, Invalidade das deliberações de assembléia das S.A., p. 121-125.

15 A propósito, Modesto Carvalhosa sustenta essa posição, citando outros autores, inclusive, na obra

Comentários à lei de sociedades anônimas, v. 4, p. 421-422.

E assim defendem esses autores, com base na interpretação sistemática da Lei de S/A, na medida em que os arts. 285 e 287, que também tratam de prescrição, estabelecem como marco inicial do prazo prescricional a data da publicação do ato.

Haverá casos, entretanto, que o início desse prazo não poderá ser a data da publicação, porque a companhia pode deixar de dar publicidade ao ato, prevalecendo, então, a data da deliberação (ou da prática do ato inquinado) como o termo a quo do prazo prescricional.

Também existirão situações em que o início do prazo prescricional não poderá ser a data da publicação da deliberação da assembléia, se a pessoa agravada pela deliberação não for acionista da sociedade, vigorando, assim, o prazo de prescrição previsto na Legislação Civil.

Nessas circunstâncias, essa análise deverá ser feita no caso concreto, sendo imprescindível examinar-se o vício objeto do pedido, a condição do postulante e a sua relação com a companhia, para adequada definição do marco inicial e do prazo prescricional correto (civil ou especial).

7. PEDIDO

Em relação ao pedido da ação de anulação de assembléia, é preciso utilizar a classificação citada no tópico quatro, para melhor compreensão do tema.

Com efeito, se a mácula que se pretende anular tratar-se de vício da própria assembleia (causa de pedir), que pode ter origem na convocação, instalação ou realização irregular, o pedido da demanda será a anulação total do conclave. Mesmo que as deliberações tomadas tenham respeitado as disposições legais ou estatutárias, o referido vício acarretará a invalidação integral da assembléia, não sendo possível o aproveitamento de qualquer ato ou decisão.

De outro lado, se se tratar de vício de deliberação (causa de pedir), o pedido da ação restringir-se-á à específica decisão ou ao ato inquinado, não afetando as demais deliberações da assembléia. Pode ocorrer, entretanto, que esse vício de deliberação recaia sobre todas as questões analisadas e decididas, hipótese em que o pedido será a anulação total, não apenas parcial do conclave.

Ademais, ainda existe o vício de voto (causa de pedir), decorrente de erro, dolo, fraude, simulação, ou coação (se essas máculas forem decisivas para a formação da maioria, lembre-se), caso em que o pedido poderá ser a anulação parcial, ou total.

Seja qual for a causa de pedir da ação de anulação, o postulante deverá demonstrar o prejuízo efetivo que a deliberação ou assembléia acarreta ou a possibilidade de dano futuro, em respeito ao brocardo pas de nullité sans grief.

Modesto Carvalhosa, citando Miranda Valverde, defende que em ambos os casos destacados anteriormente é possível pleitear a anulação das deliberações de assembléia, se Azevedo e França, na pág. 127 da obra Invalidade das deliberações de assembléia das S.A., cita acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal, em decisão relatada pelo Ministro Oscar Dias Correa, no julgamento do Recurso Extraordinário nº 94.862-CE, realizado em 04.12.1983, unânime, que adota esse entendimento. 

Comprovado o interesse de agir (prejuízo atual ou futuro). Confira-se:

A ação anulatória das deliberações da assembléia geral ou especial pressupõe, em regra, a existência de prejuízos delas decorrentes para o autor, acionistas, ou para a sociedade. Todavia, casos haverá em que a ação visará, exclusivamente, a restabelecer a ordem jurídica na sociedade anônima, turbada por uma deliberação

violadora da lei, ou dos estatutos. Prejuízo pecuniário atual não existe, mas tão somente a possibilidade de se consolidar uma situação que poderá dificultar a vida da sociedade ou sacrificar o legítimo interesse de seus acionistas.

No mesmo sentido, Aloysio Lopes Pontes colaciona em sua obra18 julgado do Tribunal de Justiça do Estado de Alagoas que possui entendimento de ser dispensável a prova do prejuízo, no caso de dano potencial.

Haverá situações em que o pedido não se limitará à anulação de deliberação ou de toda a assembléia. É tranquilamente possível a cumulação do pedido anulatório com pretensão de ressarcimento, se houver a prática de abuso por parte de algum acionista, que venha a acarretar prejuízos a outro acionistas ou à companhia. Caberá, neste caso, a inclusão de quem tiver provocado o dano no pólo passivo da demanda, como já foi visto.

8. PROCEDIMENTO

Sem aprofundar nas discussões travadas pelos processualistas, o procedimento da ação de nulidade ou da ação de anulação será ordinário declaratório, em regra.

Quando as circunstâncias evidenciarem que os efeitos do provimento final deverão ser desde logo concedidos, poderá o autor da demanda pedir a antecipação dos efeitos da tutela buscada.

Nesse caso, em respeito ao disposto no art. 273, do Código de Processo Civil, o autor deverá trazer com a petição inicial prova inequívoca do defendido vício (deve comprovar que o ato ou a deliberação seja contrário à lei ou ao estatuto), para que o juiz se convença da verossimilhança de suas alegações (deve demonstrar que a demora na concessão do pedido pode acarretar sérios e irreversíveis prejuízos), concedendo-lhe a antecipação de tutela pretendida.

Luiz Fernando C. Pereira esclarece que

não basta, para o deferimento da medida, a alegação de contrariedade à lei ou ao

estatuto/contrato social: verossimilhança. A isso soma-se a exigência do justificado

receito de ineficácia do provimento final que a produção de determinados efeitos da

deliberação questionada pode gerar. Logo é possível imaginar uma deliberação

questionada, a qual apenas parte da eficácia total gerada ocasiona efeitos prejudiciais

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