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EFICÁCIA E EFEITOS DA SENTENÇA

08 de maio de 2019

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       FRANCISCO BARROS DIAS


1. Introdução. 2. Questão terminológica – identidade ou distinção entre eficácia e efeito. 3. O significado das expressões eficácia e efeito entre alguns doutrinadores na Teoria Geral do Direito no campo processual. 4. Classificação e caracterização dos efeitos da sentença. 5. O que representa os efeitos da sentença no campo prático e a importância que adquire no processo nos dias de hoje. 6. Conclusões. 7. Bibliografia.



1. – INTRODUÇÃO


O estudo da sentença no que toca aos seus efeitos, nos parece ser um dos mais relevantes ao processo, porém constata-se ser um tema que não goza de muita clareza quanto a sua configuração ou identidade de seu conceito.


É freqüente na doutrina e na jurisprudência a utilização das expressões “eficácia da sentença” e “efeitos da sentença”, porém sem guardar uma precisão terminológica. Ao contrário, nos deparando sempre com muitas contradições e imprecisões que dificultam consideravelmente a compreensão do tema.


Com o propósito de contribuir com o debate nos propomos a trazer alguns dados a respeito desse tema que consideramos relevante ao processo, especialmente quanto aos efeitos práticos de uma decisão.


Não é nosso propósito aqui adentrarmos no tema da coisa julgada e os efeitos da sentença, ora entendendo ser o primeiro um desses efeitos, ora sendo apenas uma qualidade que os efeitos da sentença pode adquirir com o seu trânsito em julgado. Ou seja, procurando distinguir ou não a coisa julgada dos efeitos da sentença. 


A mesma coisa afirmamos com relação aos efeitos reflexos da sentença que como o tema anterior, comporta estudo aprofundado e com riqueza de detalhes que a finalidade do presente trabalho não se presta a tal. 


Também não tentaremos exaurir um tema que tem larga vastidão, sob os mais diversos ângulos que se estuda a sentença, quer no aspecto teórico,  quer sob o signo da praticidade.


O nosso objetivo é apontar o uso das expressões eficácia e efeitos da sentença como relevantes e de grande importância no estudo da decisão, mostrando que com o passar do tempo o tema vem adquirindo maior amplitude tornando imprescindível compreendermos a sua atual classificação para que se alcance maior praticidade na identificação dos efeitos principais e acessórios ou secundários da sentença.  


Com isso nos propomos demonstrar a necessidade de se visualizar os efeitos principais e acessórios da sentença, especialmente, como afirmado, sob os auspícios de sua praticidade de forma a verificarmos a riqueza em que os mesmos se encontram nos dias de hoje e a relevância que vem a cada dia adquirindo, quer no campo da legislação, quer na seara da própria decisão para bem delinearmos os recursos cabíveis, o cumprimento da sentença e os momentos ou fracionamentos que hoje comporta um julgado.   


Entendemos ser de suma importância à questão relativa aos efeitos da sentença, especialmente quando estamos diante das conseqüências práticas que um julgado pode trazer e influir decisivamente na vida e nas relações jurídicas das pessoas. 


Precisamos saber, quando estamos diante de uma decisão, quais os comportamentos ou atitudes dos destinatários do julgado. Exemplos: deve-se cumprir ou exigir uma obrigação de pagar, fazer, deixar de fazer, ou entregar algo a alguém, quando tais obrigações resultam de uma sentença? Essas hipóteses são de efeitos ou de eficácias da sentença?


Nem sempre encontramos respostas precisas para essas indagações. No entanto, a concepção moderna na busca de uma teoria da sentença merece a nossa preocupação, e, com isso procurarmos dar uma resposta que seja clara e objetiva o suficiente para melhor compreensão da matéria. 


Para empreendermos nosso trabalho tratamos no capítulo 2 sobre a terminologia mostrando a identidade ou distinção entre eficácia e efeito. No capítulo 3, ainda continuamos a perseguir a questão terminológica, buscando um sentido agora no campo doutrinário, tanto na área da teoria geral do direito e na área específica do processo civil. No capítulo 4 procuramos fazer uma classificação e caracterização dos efeitos da sentença. No capítulo 5 buscamos demonstrar o que representa os efeitos da sentença no campo prático e sua importância nos dias atuais. Por último, retiramos algumas conclusões de tudo quanto foi visto. 

2. – QUESTÃO TERMINOLÓGICA – IDENTIDADE OU DISTINÇÃO ENTRE EFICÁCIA E EFEITO.


A questão terminológica nos preocupa por entendermos que o processo como meio de comunicação deve seguir uma linguagem própria e objetividade na mensagem, sem que isso signifique dificuldade de compreensão e perda de sentido do discurso, a fim de alcançar o mais rápido possível o seu destinatário e este compreender aquilo que lhe foi dado em termos de prestação jurisdicional. 


FERNANDO SÁ, em um de seus trabalhos escritos em obra conjunta – EFICÁCIA E COISA JULGADA -, afirma que “Eficácia é termo genérico, lato, que engloba o conceito de efeito, contido na sentença.” 


SÁ, Fernando. Ainda sobre as Diversas Eficácias e Efeitos da Sentença. In EFICÁCIA E COISA JULGADA. Carlos Alberto Álvaro de Oliveira (organizador). Rio de Janeiro: Forense. 2006, pág. 76.


Depois acrescenta FERNANDO SÁ, “Finalmente, observamos que, na “comunidade comunicativa”, jurídica – fora dos estritos limites da teoria do processo -, estes dois termos, eficácia e efeitos – mesmo que impropriamente a nosso juízo – são usados lato sensu, como correlatos, sem que, todavia, o contexto do discurso deixe de ser compreendido pelo endosso intersubjetivo dado pelos membros do auditório a que se destinam, com a óbvia ressalva de que seja empregadas com rigor científico”. 


Não podemos afirmar que há identidade nas expressões eficácia e efeito da sentença. Os termos guardam significados e objetivos específicos. Enquanto a eficácia reside num campo mais abstrato visando explicitar a potencialidade da realização de algo, os efeitos são traduzidos como situações e elementos práticos que se obtém de um ato seja ele uma lei, seja uma sentença, como resultado daquilo que se postulou em prol da necessidade de um bem da vida que só poderia ser obtido através de uma prestação jurisdicional, quando se trata de ato judicial. 


O bem obtido pelo reconhecimento de uma relação jurídica através de uma declaração judicial, como a constituição ou a desconstituição de um negócio jurídico, a condenação em alguma das espécies de obrigações existentes em nossas relações jurídicas, sejam voluntárias ou compulsórias, é o resultado que se quer e deseja em uma decisão judicial.


Então, é importante que esse resultado possa ser facilmente compreendido para que possa seu destinatário se sentir suficientemente seguro e saber quais os caminhos e providências que deverão ser seguidos, inclusive em se satisfazer com o julgado logo em primeiro grau ou recorrer se o mesmo não atende a plenitude de seus anseios dentro de uma ordem jurídica que lhe garanta algo mais do que lhe foi dado. 


3. – O SIGNIFICADO DAS EXPRESSÕES EFICÁCIA E EFEITO ENTRE ALGUNS DOUTRINADORES NA TEORIA GERAL DO DIREITO E NO CAMPO PROCESSUAL

 Idem, pág. 78.

Na teoria geral do direito não é difícil encontrarmos o termo “eficácia”. NORBERTO BOBBIO explica que “O problema da eficácia de uma norma é o problema de ser ou não seguida pelas pessoas a quem é dirigida (os chamados destinatários da norma jurídica) e, no caso de violação, ser imposta através de meios coercitivos pela autoridade que a evocou”.  


Essa linha de pensamento é seguida por EDUARDO ÁNGEL RUSSO, quando afirma que: “La eficacia del sistema puede ser entendida em dos sentidos distintos: primero, en tanto la conducta de los ciudadanos se ajuste al cumplimiento de las obligaciones jurídicas, o sea, que se abstengan de cometer las conductas penadas por el sistema. Segundo, hay un sentido más fuerte de eficacia, particularmente para aquellas teorías que adoptan como criterio distintivo de la juridicidad, el elemento sancionatório”.


No caso, ambas as posições, nos parecem se referir à aptidão que tem a norma jurídica de produzir efeitos, quer com o cumprimento da mesma pelos seus destinatários, quer sancionando-se o destinatário através da autoridade competente quando falha o desiderato natural da norma.


Então, eficácia, sob a visão da teoria do direito, é a potencialidade que a lei tem em sentido amplo para fazer surtir os seus efeitos, principalmente visando uma aceitação, aplicação e utilização da mesma pelos seus destinatários.


Em uma visão processual LIEBMAN procura trabalhar o tema da eficácia da sentença com relação aos seus efeitos, sempre voltado para a ideia da questão relativa a coisa julgada, procurando demonstrar que a coisa julgada não é um efeito da sentença, mas uma qualidade que se ajunta aos efeitos da sentença para “reforçá-lo em sentido bem determinado,” como se pode extrair de toda sua obra.  


 BOBBIO, Norberto. Teoria da Norma Jurídica. Tradução: Fernando Pavan Baptista e Ariani Bueno Sudatti. EDIPRO. Bauru-SP: 2001, pág. 47.


 Teoría General del Derecho – en la modernidad y en la posmodernidad. 3ª edición. Lexis-Abeledo-Perrot. Buenos Aires. 2004, pág. 86)


PONTES DE MIRANDA, ao falar de eficácia, também no campo processual, faz compreender a expressão albergando os termos força e efeito, ou seja, a eficácia compreende força e efeitos de uma resolução, no caso, de uma sentença: “Falando-se de eficácia de resolução, tem-se de cogitar de força e efeitos, porque a eficácia é a propriedade de ter força ou efeitos. É eficácia: a) certa imodificabilidade pelo prolator que varia da modificabilidade, quando o juiz volte a ter de examinar o assunto, até a sentença, que de regra é imodificável (sentença apelável) e só excepcionalmente alterável por provocação (juízo de retratação; embargos); b) a força formal de coisa julgada; c) a força ou o efeito declaratório, ou a força ou o efeito material de coisa julgada; d) a força ou o efeito constitutivo, condenatório, mandamental, ou executivo, se o tem; e) os efeitos próximos ou laterais; f) os efeitos-reflexos, que são os da sentença como ato jurídico ou fato jurídico. Em sentido estrito, eficácia seria o ter os efeitos a) e b)”. 


No sentido utilizado por PONTES DE MIRANDA, as letras “a” e “b” estão voltadas para a eficácia entendida como expressão relativa à questão da coisa julgada material, isto porque na primeira se refere a imodificabilidade da sentença, enquanto na segunda fala expressamente da força formal da coisa julgada. As demais letras do enunciado, cuidam exatamente da força e efeitos declaratório, constitutivo, condenatório, mandamental ou executivo, além dos efeitos próximo ou laterais da sentença e os chamados efeitos-reflexos do julgado. 


Assim, sob o ângulo de visão do exponencial doutrinador, eficácia definiria melhor a coisa julgada material, dada a imodificabilidade do julgado, a coisa julgada formal seria uma força que resultava da sentença, enquanto os demais elementos que podem ser extraídos da sentença seriam força ou efeitos, todos advindos da eficácia que esta sentença pode produzir. 


 LIEBMAN, Enrico Tullio. Eficácia e Autoridade da Sentença e outros escritos sobre a Coisa Julgada. Tradução: Ada Pellegrini Grinover, após a edição de 1945. 3ª. Ed. Rio de Janeiro: Forense. 1984, pág. 40.


 MIRANDA, Pontes de. Tratado das Ações.Atualizado por Vilson Rodrigues Alves. Tomo 1. Campinas: Bookseller. 1998, págs. 171 a 172. 


Depois continua PONTES DE MIRANDA a esclarecer outras eficácias da sentença e repetir as anteriormente mencionadas, afirmando: “A eficácia da sentença concerne: a) ao processo, que ainda continua, após ela, pois as próprias intimações e os recursos são processo; b) à demanda, que se ultima com ela, ou com a sentença que a reformar; c) à relação jurídica ou a inexistência de relação jurídica, ou aos fatos, que ela examinou, por terem sido objeto do pleito; d) ao conteúdo da sentença como prestação estatal (declaração, constituição, condenação, mandamento, execução); e) a efeitos anexos ou a efeitos reflexos da decisão; f) à sentença mesma como ato jurídico; g) à sentença mesma como simples fato”. 

Interessante ainda é o significado reforçado de eficácia por PONTES DE MIRANDA quando afirma que “Eficácia é (a) a energia automática da resolução judicial. A sentença ou o despacho torna-se suscetível de ser obrigativo, eficaz, no momento em que faz entrar na espécie abstrata a espécie fática; mas ainda é a lei que vai marcar o momento dessa eficácia. As decisões sobre mandado têm eficácia, posto que não haja litígio. Outra (b) precisam de execução para que tenham eficácia completa. A regra é que a eficácia depende da coisa julgada formal, mas a lei conhece casos de exceção (e. g., as medidas preventivas)”.


Aqui o eminente Mestre procura vê a eficácia no momento em que a sentença é proferida. E adentrando o fato no campo abstrato da norma, já resultar daí alguma eficácia na sentença, porém esclarecendo que a lei é quem vai ditar o momento dessa eficácia, indo até o ponto em que determinadas eficácias só vão resultar em sua completude com a execução do julgado, após a coisa julgada formal, excepcionando-se as hipóteses de provimentos preventivos.  


Depois, esclarece de forma mais nítida que a eficácia compreende tanto a força como o efeito, deixando bem claro que a primeira está voltada mais para a coisa julgada, enquanto a segunda se relaciona com o efeito que diz de perto a condenação que deságua na execução, sendo que esta não existe nas sentenças declaratórias, segunda sua visão naquele momento histórico. “A eficácia compreende, portanto, a força (e. g., a eficácia consistente na força de coisa julgada material da sentença declarativa) e o efeito (e. g., eficácia consistente no efeito de execução da sentença condenatória, efeito que as sentenças declarativas de ordinário não têm).” 


Depois arremata: “Quando se fala de força e efeitos da sentença – englobadamente, da “sua” eficácia – entende-se que se sabe o que é eficácia jurídica. A linguagem vulgar e, infelizmente, a grande maioria dos juristas não distinguem força e efeitos, conceitos ambos contidos em “eficácia”, palavra com que se traduz Wirkung. A eficácia jurídica supõe que exista mundo jurídico, que o nosso espírito capta em suas relações, de modo que toda mudança desse mundo é eficácia jurídica (cf. A. Manigk, Uber Rechtswirkungen, 6-13)”.


Portanto, eficácia para PONTES DE MIRANDA, em uma síntese de seu pensamento, engloba força e efeitos da sentença, estes mais palpáveis num mundo prático por ser alcançado através dos fatos, enquanto aquela se pauta em um campo mais abstrato, captado por nossos espíritos em razão das relações entre os homens que leva as mais variadas mudanças. 


Para BARBOSA MOREIRA, a “Eficácia, enfim, é palavra que se costuma usar, na linguagem jurídica, para designar a qualidade do ato enquanto gerador de efeitos. Em correspondência com o duplo enfoque dos efeitos, acima expostos, pode-se falar de eficácia como simples aptidão para produzir efeitos (em potência) ou como conjunto de efeitos verdadeiramente produzidos (em ato). Menos freqüente é o uso de “eficácia” como sinônimo de efeito, isto é, para designar cada um dos efeitos (em potência ou em ato) particularmente considerados, o que leva a conferir-se ao mesmo ato jurídico uma pluralidade de “eficácias”.


 MIRANDA, Pontes de. Tratado das Ações.Atualizado por Vilson Rodrigues Alves. Tomo 1. Campinas: Bookseller. 1998, pág. 173. 


 Idem … ob. Cit. Págs. 184 e 185.

 MOREIRA, José Caros Barbosa. Conteúdo e Efeitos da Senença:Variações sobre o tema, in TEMAS DE DIREITO PROCESSUAL, Quarta série. São Paulo. Saraiva: 1989, págs. 175/176).


O Professor BARBOSA MOREIRA, portanto, procura dar um sentido genérico ao termo eficácia, sendo num primeiro momento a simples aptidão de produzir efeitos, potencialmente considerado, ou um “conjunto de efeitos verdadeiramente produzidos”, sendo aí já concretizado em ato. 


Com essa ideia temos a eficácia num plano mais abstrato, enquanto o efeito ficaria num patamar cujo vetor, seria mais prático.


FERNANDO SÁ, em trabalho escrito na obra conjunta organizada por CARLOS ALBERTO ALVARO DE OLIVEIRA, após análise do conceito de eficácia levado a efeito por FALSEA, esclarece: “Eis pois aqui o que consideramos como sendo a conceituação do termo eficácia. Esse fenômeno jurídico, através do qual o direito se realiza, é aquele instante da situação jurídica, quando um especial interesse, tido como necessário pela comunidade jurídica, passa à concreção de determinada fattispecie posta na hipótese legal para que se cumpra o efeito jurídico nela valorado e pretendido”. 

As lições aqui explanadas leva-nos a compreender que a eficácia reina em campo mais abstrato, podendo ser expressão utilizada pelo legislador para que algum objetivo seja alcançado, transformando assim, aquilo que seria intenção e vontade em algo concreto e por isso resultando em efeito plenamente palpável e realizável ou realizado. 


 

4. – CLASSIFICAÇÃO E CARACTERIZAÇÃO DOS EFEITOS DA SENTENÇA.

 SÁ, Fernando. Ainda sobre as Diversas Eficácias e Efeitos da Sentença. In EFICÁCIA E COISA JULGADA. Carlos Alberto Álvaro de Oliveira (organizador). Rio de Janeiro: Forense. 2006. pág. 87.


O estudo dos efeitos da sentença tem passado pelos mais acirrados debates doutrinários e sempre foi alvo de teses e teorias que pudessem justificar a sua existência e delimitar sua configuração. 


Basta lembrar o embate travado entre CHIOVENDA e LIEBMAN, a fim de que se pudesse situar o conceito de coisa julgada, para que se possa chegar a uma compreensão a respeito da eficácia, dos efeitos ou da qualidade da sentença. 


LIEBMAN, prenuncia vários efeitos da sentença procurando sempre explicá-los diante do instituto da coisa julgada, quando afirma: “quais são, pois, as relações entre a coisa julgada e esses efeitos da sentença, vários e diversos, ora meramente declarativos, ora constitutivos”.


Essa posição de LIEBMAN apesar da afirmativa de que os efeitos da sentença são “vários ou diversos”, representava um momento histórico que não tinha os efeitos da sentença como além de declaratório, constitutivo e condenatório, como principais, e, alguns acessórios ou secundários, como a hipoteca judiciária. Para fazer essa constatação é bastante que se consulte sua obra Eficácia e Autoridade da Sentença que teve tradução de ALFREDO BUZAID e anotações de ADA PELLEGRINE GRINOVER. 


Hoje, é sabido que os efeitos da sentença vão além dos três classicamente conhecidos como os declaratório, constitutivo e condenatório, mas também aceito pela quase totalidade da doutrina como sendo cinco, pois adiciona-se ainda o mandamental e o executório ou executivo lato sensu. 



Mas, além desses efeitos chamados sempre de principais, temos que verificar que o efeito condenatório faz disseminar outros efeitos no campo das obrigações como a obrigação de fazer ou não fazer, entregar coisa certa ou incerta e por quantia certa ou de pagar. 


LIEBMAN, Enrico Túlio. Eficacia e Autoridade da Sentença e outros escritos sobre a coisa julgada. Notas de ADA PELLEGRINI GRINOVER. Forense, 3ª edição. Rio de Janeiro: 1984, pág. 17.


Há muitas formas de se entender esses efeitos. Para alguns estamos diante de efeitos práticos da sentença, enquanto para outros, estamos diante mesmo de efeitos da sentença. Ainda há quem nomine os chamados efeitos principais da sentença como conteúdo da sentença. 


É importante frisar nesta oportunidade que os efeitos principais da sentença, uma vez identificados historicamente se tornaram permanentes, variando apenas em cada julgado, pois este representa situação concreta que somente o seu objeto ou finalidade pode definir. Não variam no tempo. Sempre foram os mesmos, havendo apenas divergência se o mandamento ou a executividade lato sensu seriam também efeitos da sentença.

 

No curso da história houve uma grande evolução quanto à abrangência que a ideia de efeito da sentença pode alcançar. Inicialmente foi trabalhado apenas o efeito declaratório, para em seguida afirmar-se ter o constitutivo e mais adiante o condenatório. Bem depois é que se começou a aceitar os efeitos mandamentais e executivo lato sensu, como perfeitamente possíveis de serem vislumbrados em algumas sentenças, hoje posição quase unânime da doutrina, passando assim da doutrina ternária, para a doutrina quinária, na terminologia de PONTES DE MIRANDA. 


Mas, a sentença não se limita a produzir somente esses efeitos. Outros efeitos chamados de acessórios ou secundários, como a própria liquidação da sentença, o cumprimento da sentença nos dias atuais, os honorários advocatícios, as custas e despesas processuais, os juros de mora e/ou compensatórios, a multa de natureza coercitiva do julgado, a correção monetária, a hipoteca judiciária, os cancelamentos ou suspensão dos mais variados tipos de registros e inscrições como: protesto, imóvel, automóvel, escrituras, contratos, serviços de restrição ao crédito como serasa, spc, além de muitos outros, são também efeitos da sentença.


Importante esclarecer também que estes efeitos conhecidos como acessórios ou secundários são variáveis tanto em cada julgado, como acrescidos ou suprimidos no tempo. Exemplo: a correção monetária não existia como efeito de sentença enquanto esta não restou criada no Brasil. Os cadastros restritivos de crédito nos dias atuais são exemplos típicos dessa característica. É que surge com certa constância novos tipos de cadastros.


  1. Ao se fazer a leitura da obra de LIEBMAN, em sua Eficácia e Autoridade da Sentença, chega-se exatamente a essa conclusão. Ali, de forma muito acanhada, LIEBMAN fala primeiro em efeito declaratório da sentença, depois do efeito constitutivo e com menor expressividade em efeito condenatório. 

LIEBMAN, identifica na sentença ao lado dos efeitos principais os efeitos acessórios ou secundários quando afirma: “Nas pegadas de algumas breves proposições de WACH, a doutrina germânica unânime completa o quadro dos efeitos possíveis da sentença, colocando, ao lado dos principais (que ela, como sabemos, identifica, na coisa julgada, na eficácia executória e na constitutiva), outro grupo de efeitos que se manifestariam sobre as relações substanciais privadas das partes ou de terceiros e que seriam causados pela sentença, não em sua função do ato jurisdicional, mas em sua simples qualidade de fato juridicamente relevante;” 13.


É importante frisar que os efeitos acessórios da sentença que também podem ser entendidos como consequência natural da sentença, são efeitos que resultam do princípio da sucumbência, o qual pode ser ditado como traduzindo a ideia de quem é vencido em uma demanda terá de suportar todos seus efeitos. 


Por isso, não é desarrazoado se afirmar que mesmo não tendo sido requerido, ou se requerido vier a ser silente a sentença a respeito dos seus efeitos acessórios, pode o Tribunal, caso haja recurso, se manifestar de ofício sobre os mesmos, ou não havendo recurso, podem ser objeto de liquidação e de execução do julgado. É bastante que este efeito acessório se compatibilize com a espécie ou natureza do efeito principal. Por exemplo: juros, correção monetária, hipoteca judiciária, podem resultar de uma sentença, mesmo que ela nada tenha feito de referência sobre a matéria e com isso poderem ser objeto de execução ou de imposição no cumprimento do julgado, desde logicamente que haja efeito principal de obrigação por quantia certa. 


Os efeitos acessórios da sentença gozam desse privilégio por serem em primeiro lugar dependentes ou acessórios dos principais, e, em segundo plano se encontrarem previstos expressamente na ordem jurídica e poderem ser executados por força da impositividade da norma que os criou ou da norma que os disciplinou. 

LIEBMAN… Eficácia… pág. 71.


LIEBMAN, é bem esclarecedor sobre o tema: “Produz a sentença, às vezes, ao lado de seus efeitos principais, efeitos secundários, que se distinguem dos primeiros, não por seu caráter exclusivamente privatístico, nem por sua importância menor, porque, não raro, são praticamente os mais relevantes, mas por sua falta absoluta de autonomia; são simplesmente acessórios e consequentes aos efeitos principais e ocorrem automaticamente por força de lei, quando se produzem os principais. Não têm por isso os efeitos secundários condições próprias de admissibilidade, que o juiz deva reconhecer e declarar existentes, independentemente das condições dos efeitos principais”. 


LIEBMAN, afirma “Quando o exame da causa autoriza a prolação da sentença com determinados efeitos (principais), dever-se-ão, só por isso, produzir, e logo se produzirão, também os secundários, os quais, portanto, não deverão ser pedidos pelas partes na demanda judicial, nem estar contidos e indicados na decisão (e por isso é exato dizer que não fazem parte do objeto da sentença); e assim como não poderiam ser produzidos separadamente dos principais, não podem, tampouco, ser denegados quando se pronunciam aqueles”. 


Assim, os efeitos principais precisam de pronunciamento da sentença. Necessitam ser requeridos, postulados ou provocados. Definem a natureza jurídica da ação ou da sentença. São permanentes e só variam em relação a cada processo que se postula algo em que eles deverão ser revelados. 


Enquanto isso, os efeitos acessórios ou secundários da sentença não precisam, necessariamente, que tenham sido analisados no julgado. Independem de requerimento ou postulação a seu respeito, pois decorrem de uma condição natural de quem é vencido e existem por força de imposição legal. Podem variar em cada processo, mas não são permanentes ou absolutamente estáveis, podendo variar também no tempo e se fazer surgir ou desaparecer a cada momento histórico. Não definem a natureza jurídica da demanda ou da sentença, mas podem ser objeto de execução, independentemente, de constar expressamente do julgado. 

 LIEBMAN… Eficácia… pág. 75.

 Idem pág. 75.


5. – O QUE REPRESENTA OS EFEITOS DA SENTENÇA NO CAMPO PRÁTICO E A IMPORTÂNCIA QUE ADQUIRE NO PROCESSO NOS DIAS DE HOJE. 


Depois de delinearmos alguns pontos deste ensaio, podemos verificar, como digo na introdução, que o nosso primeiro propósito é trazer um mínimo de compreensão do tema para facilitar o manuseio do instituto nas atividades dos intérpretes e aplicadores do direito. 


O compreender vai desde o significado e riqueza da expressão em suas variadas formas, até chegarmos a um sentido que facilite o trabalho de entendimento de um julgado, de um cumprimento de uma sentença, a fim de que possamos saber a natureza de uma ação e como sabemos o que temos a executar em um julgado. 


Ainda, mesmo estando diante de efeitos acessórios da sentença, é possível saber que uma sentença em processo puramente declaratório é suscetível de ser executada, tendo em vista que seus efeitos acessórios comportam obrigações dentro de suas variadas espécies, até mesmo por quantia certa, como ocorre com honorários ou custas do processo.

 

São esses ingredientes que nos levam a vislumbrar a importância que o instituto adquire, a praticidade que comporta e o prestígio que vem adquirindo na ordem jurídica, sendo exemplo palpável o art. 475-N, ao descrever a hipótese de execução em processo de qualquer natureza, quando antes afirmava que o título executivo só poderia se formar quando se tratasse de sentença condenatória. 


O título executivo pode se formar de uma sentença puramente declaratório, tendo em vista que ela comporta, além do seu efeito principal que a identifica como tal, efeitos acessórios como pagamento de despesas expendidas com o processo, custas processuais e honorários advocatícios. 


Também é no campo prático que devemos entender os efeitos da sentença, a fim de que possamos saber quais os elementos ou capítulos que restaram resolvidos, definidos e versados no julgado, para melhor se delimitar o objeto do recurso, sabendo-se primeiro do que se deve recorrer e do que não se deve. Portanto, a definição do conteúdo do recurso vai depender da compreensão que se tem dos efeitos que resultaram favoráveis ou desfavoráveis da sentença. 


A compreensão e utilização da expressão em termos práticos leva a facilitação da fase do cumprimento da sentença, quer quanto aos efeitos principais, quer quanto aos acessórios, extraindo-se a ideia precisa do que deve ser executado, quais os efeitos que já resultaram líquidos, os ilíquidos que comportam atitudes distintas, executar no todo em parte, liquidar no todo ou em parte. 


As espécies de obrigações que podem resultar de um julgado são perfeitamente definíveis através dos efeitos da sentença. Com isso vamos saber se o cumprimento da sentença vai ocorrer através de um dar, um fazer ou não fazer e/ou um pagar. 


O tema torna-se de suma importância na definição, compreensão e praticidade do instituto da antecipação dos efeitos da sentença, pois, o seu delineamento, quanto a sua real identificação reside inteiramente no estudo dos efeitos do julgado, seja ele definitivo, seja ele provisório. 


Ainda, ajuda a se compreender o julgamento fracionado do processo, hoje transformado em tema tão polêmico, além de ser de suma importância quando estamos diante de efeitos retroativos, diferidos, prospectivo, retrooperantes ou modulado do julgado.


A mesma coisa pode-se afirmar com relação ao processo coletivo, onde a compreensão e definição dos efeitos de seus julgados são elementos ou ingredientes de excepcional importância para se poder obter uma executoriedade lógica e completa da prestação judisdicional nesse subsistema processual.


Torna-se despiciendo se reafirmar que muitas são as vantagens, muitos são os frutos obtidos com o sentido prático que guardam os efeitos da sentença, fugindo-se um pouco do sempre aprofundado exame teórico do instituto, para podermos usufruir de seus resultados na planície prática do processo, especialmente pelo fato de se tentar, no momento, traduzir o processo e seu procedimento em coisa relativamente simples, palpável e compreensível, senão a todos, pelo menos aqueles que de uma forma ou de outra lidam com esse enigma que é o processo.



6. – CONCLUSÕES.


Não podemos afirmar que há identidade nas expressões eficácia e efeito da sentença. Os termos guardam significados e objetivos específicos. Enquanto a eficácia reside num campo mais abstrato visando explicitar a potencialidade da realização de algo, os efeitos são traduzidos como situações e elementos práticos que se obtém em uma sentença, como resultado daquilo que se postulou em prol da necessidade de um bem da vida que só poderia ser obtido através de uma prestação jurisdicional. 


As expressões eficácia e efeitos são encontráveis tanto na teoria do direito, como no estudo da sentença e fazem parte  integrante desta, mas não se pode confundir os conceitos, pois como visto cada um guarda peculiaridade própria. 


Os efeitos principais da sentença no decurso do tempo restaram configurados como declaratório, constitutivo, condenatório, executivo lato sensu e mandamental. Esses efeitos são invariáveis no tempo e mutáveis apenas em cada caso julgado, definem a natureza jurídica da ação e da sentença.


Os efeitos acessórios ou secundários da sentença podem ser identificados como liquidação, cumprimento da sentença, custas e despesas processuais, honorários advocatícios, hipoteca judiciária, multa coercitiva, juros, correção monetária, cancelamentos de protesto, de registros das mais variadas espécies e são mutáveis, freqüentemente, no tempo e em cada caso concreto julgado, não definem a natureza jurídica da ação ou da sentença, mas são tão relevantes no campo prático tanto quanto os principais.


Os efeitos da sentença, uma vez identificados, gozam da mais relevante importância no campo prático, quer para se poder recorrer ou não do todo ou em parte da sentença, quer para executá-la, liquidá-la. Também se presta a identificar o que se pretende antecipar em termos de efeitos da sentença em casos de urgência, de fracionamento do julgado ou de abuso do direito de defesa, além de possibilitar a sua modulação. 



7. – BIBLIOGRAFIA.



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- DINAMARCO, Cândido Rangel. Capítulos de Sentença. 2ª. Ed. São Paulo: Malheiros. 2006. 


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- ROCCO, Alfredo. La sentencia civil. Tradución de Mariano Ovejero. Colección Clássicos. Buenos Aires: El Foro. 


- RUSSO, Eduardo Angel. Teoría General del Derecho – en la modernidad y en la posmodernidad. 

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- SILVA, Ovídio A. Baptista da. Sentença e Coisa Julgada. 2ª edição. Porto Alegre: Fabris. 1988.


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- TUCCI, José Rogério Cruz e. Limites Subjetivos da Eficácia da Sentença e da Coisa Julgada. São Paulo: RT. 2006.  

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