FRANCISCO
BARROS DIAS
Professor e Desembargador Federal
1. - INTRODUÇÃO. 2. - DOS DIREITOS INDIVIDUAIS AOS DIREITOS COLETIVOS. 2.1 – Configuração e caracterização do direito individual. 2.2 – Evolução e caracterização dos direitos coletivos. 3. - NATUREZA JURÍDICA DOS DANOS MORAIS: EVOLUÇÃO CONCEITUAL DOS DANOS MORAIS E DOS DANOS MORAIS COLETIVOS. 3.1 – Caracterização do dano moral. 3.2 – Caracterização do dano moral coletivo. 4. - PREVISÃO LEGAL E JURISPRUDENCIAL DOS DANOS MORAIS COLETIVOS E A POSSIBILIDADE DE SUA REPARAÇÃO. 5. – CONCLUSÕES. 6. – BIBLIOGRAFIA.
Os tempos modernos indicam ao estudioso
do direito uma série de vetores que exigem a necessidade de atualização,
aperfeiçoamento, aprofundamento e inovações dos mais variados temas da área
jurídica.
A responsabilidade civil, sob os
seus mais diversos ângulos, não deixa de ser um tema sempre atual, instigante e
que inspira mudanças constantes, em razão das transformações e enriquecimento
das relações jurídicas que o mundo presencia diariamente.
Se, por um lado à reparação do dano moral, no
âmbito do direito individual, foi sempre objeto de muita discussão, evolução e
aperfeiçoamento, por outro, surge mais modernamente a possibilidade de
identificação e reparação do dano moral coletivo.
A atualidade do tema nos despertou a
escrever alguns aspectos que podem ser visualizados na seara da
responsabilidade civil, mostrando sua importância ou relevância, e, ao mesmo
tempo, as hipóteses e situações que podem ser configuradas como de violação a
um direito coletivo, o qual comporta reparação dentro dessa nova concepção.
O presente trabalho tem em vista,
portanto, num primeiro momento procurar caracterizar o dano moral coletivo como
um dos vícios suscetíveis de reparação no mundo moderno e fazer demonstrar o
seu amparo não só no campo teórico, como na seara do direito e sua concretude
na jurisprudência referenciada.
Além dessa breve introdução no
capítulo 2, procuramos demonstrar a evolução que vai da caracterização dos
direitos individuais até alcançar os direitos coletivos. A informação a
respeito desses direitos é importante para podermos, num primeiro momento,
entendermos o significado da expressão: direitos coletivos. Depois, iremos nos
deparar com as expressões direitos coletivos, danos morais coletivos, seja na
legislação, na doutrina ou na jurisprudência, o que provoca a necessidade de
prévia compreensão terminológica desses signos.
No capítulo 3, buscamos a natureza jurídica dos danos morais e mostramos
uma evolução conceitual dos danos morais até atingir os danos morais coletivos.
Neste capítulo procuraremos mostrar logo como se chegou a caracterizar o dano
moral. Lógico que aqui, num primeiro momento, ela era ou é visto, sob o ângulo
dos direitos individuais ou subjetivos. No mesmo capítulo, em uma segunda etapa
mostramos a evolução da caracterização do dano moral coletivo, passando assim
de um sentido individual para uma nova concepção coletiva ou de coletividade.
No capítulo 4 temos uma amostragem sobre o sistema legal e
jurisprudencial sobre o reconhecimento do dano moral coletivo, além da forma de
tutela por instrumentos processuais próprios, no Brasil e na Argentina,
indicando assim, que a matéria não fica restrita ao campo puramente teórico ou
doutrinário, mas já vem sendo concretizado de forma efetiva pelas Cortes desses
dois países.
Por último, apresentamos um elenco de algumas conclusões extraídas do que
restou dissertado sobre a matéria, o qual se encontra no capítulo 5, para em
seguida serem mostradas as fontes consultadas no capítulo 6.
2. - DOS
DIREITOS INDIVIDUAIS AOS DIREITOS COLETIVOS.
Procuraremos neste capítulo fazermos
uma breve incursão nos direitos individuais e coletivos, mostrando como se
caracterizaram em um primeiro momento os direitos subjetivos e num segundo
estágio os coletivos ou metaindividuais.
2.1 – Configuração e caracterização do direito individual.
Os direitos sempre foram vistos e compreendidos de forma individual. Por isso é que surgiu a expressão direito subjetivo, significando que o mesmo pertence ao seu titular individualmente. O direito subjetivo surgiu com a divisão do direito objetivo e subjetivo. O primeiro, sendo a ordem jurídica posta em uma determinada comunidade (Nação) e o segundo sendo uma faculdade ou poder que o indivíduo tem em invocar seu direito em razão da ordem jurídica posta.
Na realidade o direito subjetivo é composto de quatro elementos de acordo com a concepção de VICENTE RÁO, o sujeito, que é seu titular, pessoa física ou jurídica a quem o direito pertence ou dele dispõe; o objeto, que é a pessoa, ou cousa material ou imaterial, suscetível de proporcionar ao seu titular a utilidade material ou situação moral a que o direito visa; a relação entre o sujeito e o objeto é o fato, ou ato jurídico, em virtude do qual, aquele realiza sobre este a sua faculdade e o poder de invocar sua proteção, restauração ou reparação das conseqüências de seu desrespeito[1].
Então, para que alguém afirme que tem um direito, é imprescindível se
partir da sua titularidade, ou seja, o sujeito, o indivíduo, pessoa física ou
jurídica, exercendo um poder sobre algo, o objeto, a fim de protegê-lo e com
isso existindo uma relação entre o sujeito e o objeto, o que faz surgir o fato
que completa o ciclo do chamado direito subjetivo, o seu direito.
NORBERTO BOBBIO enfatiza bem que o “... indivíduo humano uti singulus, que foi o primeiro sujeito ao qual se atribuíram direitos naturais (ou morais) – em outras palavras da “pessoa” -, para sujeitos diferentes do indivíduo, como a família, as minorias étnicas e religiosas, toda a humanidade em seu conjunto...”[2]
Não é difícil perceber o caráter individualista dos direitos enraizado como valor preponderante da humanidade para poder firmar o compromisso de garantia dos direitos de uma pessoa. O que se denota é a configuração da existência do direito no campo subjetivo prefigurando o próprio sujeito, o titular desse direito.
Essa visão sempre voltada para o sujeito individualmente como titular dos direitos, embasou todos os valores do iluminismo com prevalência do individualismo, o que levou a se vê os direitos sempre sob essa ótica e com total desprezo aos direitos sociais ou sob uma visão coletiva.
As garantias dos direitos no Estado liberal sempre se deram no campo subjetivo, com uma visão meramente formal, tendo em vista a relevância que sempre se emprestou a autonomia da vontade e com isso estava assegurado o direito patrimonial de seus titulares.
Essa influência dos valores iluministas levou também ao substrato das ciências, as quais foram submetidas a uma metodologia própria e metodicamente embasada em conceitos e compreensão estabelecidos sistematizadamente. Além disso, partiu-se para uma divisão e diferenciação desses conceitos.
Assim é que surgiu a divisão do direito em público e privado, em objetivo e subjetivo, Com relação a esses dois últimos a concepção é de que, o primeiro, entendido como uma ordem jurídica posta, o segundo como uma faculdade dada ao indivíduo pela ordem jurídica a ser titular de um bem e poder garantir esse direito, como o de propriedade, por exemplo. Em sendo, um ser humano proprietário aí residiria o seu direito subjetivo (próprio) de proprietário (domus) de uma coisa.
Estamos assim, diante da chamada primeira geração dos direitos como nos ensina MÁRCIO FLÁVIO MAFRA LEAL, na seguinte passagem: “Os direitos de 1ª geração seriam aqueles reivindicados pelos liberais, precipuamente direitos individuais à liberdade e igualdade formal”.[3]
Eis aí a primeira etapa alcançada pela humanidade para configurar e garantir os direitos individuais dos membros da sociedade. Porém a empreitada não parou aí, pois a evolução do direito, da sociedade e a complexidade das relações jurídicas passaram a exigir novas posturas do estudioso da ciência jurídica.
2.2 – Evolução e caracterização dos direitos coletivos.
A evolução das relações jurídicas fez surgir os direitos de segunda geração, entendidos por NORBERTO BOBBIO, como os “direitos sociais”, sendo exemplos ‘a liberdade política e as liberdades sociais, do nascimento, crescimento e amadurecimento do movimento dos trabalhadores assalariados, dos camponeses com pouca ou nenhuma terra, dos pobres que exigem do poder público a proteção do trabalho contra o desemprego, a assistência a invalidez e a velhice”,[4] etc.
Essas garantias surgiram com o movimento constitucionalista do Estado social, sendo exemplos típicos, a Constituição Mexicana de 1917 e a Constituição Alemã, de 1919. O Estado, nessas constituições, não se limitava apenas a descrever direitos individuais, mas a assegurar direitos individuais e sociais.
No dizer de MÁRCIO FLÁVIO MAFRA LEAL, os direitos “de 2ª geração são os direitos
sociais que incumbiam ao Estado algumas tarefas de prover garantias materiais
mínimas (educação, saúde, proteção ao trabalhador)”.[5]
Assim, com a concepção do Estado social de direito alcançamos um segundo estágio na evolução dos direitos, porém ainda insuficientes, apesar do avanço e das transformações ocorridas nesse segundo estágio.
Esse caminhar veio alcançar uma outra etapa tida como de configuração dos
direitos de terceira geração, conhecidos, tidos e havidos como difusos
que para MÁRCIO FLÁVIO MAFRA LEAL, “emergiram na virada da década de 50 ou 60,
representados por mulheres e negros norte-americanos e, com menor escala
política, na época, por ambientalistas e consumeristas”.[6]
NORBERTO BOBBIO, apesar de não está convicto dessa novel posição, chega, no entanto, a afirmar que “ao lado dos direitos sociais, que foram chamados de direitos de segunda geração, emergiram hoje os chamados direitos de terceira geração, que constituem uma categoria, para dizer a verdade, ainda excessivamente heterogênea e vaga, o que nos impede de compreender do que efetivamente se trata. O mais importante deles é o reivindicado pelos movimentos ecológicos: o direito de viver num ambiente não poluído”.[7]
Apesar da desconfiança e insegurança do jusfilósofo nessa nova geração de
direitos, o certo é que ele já vislumbrava essa nova modalidade de direito e a
sua perspectiva veio a se consumar com o tempo como veremos logo mais a seguir.
É importante frisar que essa evolução dos direitos fez surgir, ao lado
dos direitos individuais os chamados direitos coletivos, em sentido amplo.
Esses direitos coletivos, com o passar do tempo foram identificados e
subdividido em difusos e coletivos em sentido estrito.
É importante trazermos algumas informações sobre as características que esses direitos adquiriram para sua identificação.
Os difusos
são entendidos como transindividuais pois representam um interesse geral sem
que se saiba quem são seus titulares; há um elevado grau de mutabilidade dos
fatos que o origina, exemplificando-se com a poluição de um lago que pode em
determinado momento ser despoluído; impossibilidade de quantificar o seu valor
exato; indivisibilidade do direito ou interesse; alto grau de litigiosidade,
face aos concorrentes interesses que lhe cercam; potencialidade de causar um
dano que pode vir a ocorrer ou não no presente ou no futuro muitas vezes
incerto; eventualidade de alguém sofrer um dano imediato, pois só será vítima
se fizer uma visita ao local, vier a usar o bem ou o se este alguém resida nas
proximidades desse bem lesado.
Importante
é que nessa espécie de direito não se tem como identificar o titular
individualmente, fazer a divisão do bem e quantificar valores suficientes que
possa restaurar ou restabelecer esse bem. Porém é sabido que o bem ou interesse
pertence a todos os membros de uma coletividade ou até de todo o globo
terrestre.
Encontramos
assim um grande diferencial entre essa espécie de direito ou interesse, pois as
suas características diferenciam-se completamente daquelas identificadoras do
direito individual.
Os direitos
coletivos strictu sensu –
pode ser identificado pela ocorrência de uma pluralidade de sujeitos;
individualidade de cada direito; quantificação e divisibilidade do direito;
homogeneidade dos direitos com relação a todos os sujeitos; ter uma origem
comum do ato ou fato.
É importante ressaltar que essa é, em geral, a visão das características dessa espécie de
direito no âmbito da doutrina estrangeira. É que o direito coletivo em sentido
estrito no mundo inteiro, de regra, é entendido como uma pluralidade de
sujeitos em quantidade razoável titulares desse direito de forma
individualizada, quantificável e identificável. Para evidenciar como coletivo o
que deve existir é um número significativo de seus titulares, haja homogeneidade
desses direitos ou interesses e tenha uma origem comum.
No
Brasil essa espécie de direito ficou reservada a uma outra categoria chamada de
direitos individuais homogêneos.
Por força de definição legal o sistema brasileiro
trata o direito coletivo strictu sensu de forma idêntica ao direito
difuso, guardando diferença apenas por está limitado a um grupo categoria ou
classe, como se infere do inciso II, do parágrafo único do art. 81, do Código
do Consumidor abaixo citado. Da mesma forma há pluralidade de sujeitos;
impossibilidade de quantificar e individualizar o dano; organização em grupo,
categoria e classe; há uma ligação desses interesses entre si ou com o
adversário.
É o que se infere da Lei 8.078/90 que criou o Código de Defesa do
Consumidor, em seu art. 81, parágrafo único, quando restaram classificados
esses direitos em: difuso, coletivos e individuais homogêneos.[8]
É importante frisar ainda que com relação aos direitos
ou interesses coletivos strictu sensu, como reconhece a doutrina ou o individual homogêneo para o
sistem brasileiro, em um primeiro momento não haveria distinção desses direitos
com os chamados direitos individuais. A sua importância ou relevância para ser
tratado como direitos coletivos está exatamente pluralidade de sujeitos em
razoável quantidade e com isso evitar a pluralidade de ações com possibilidade
de julgamentos divergentes; apresentar-se em determinadas circunstâncias em
favor de titulares hiporsuficientes, sem que estes pudessem ter acesso ao
judiciário; ser hipótese da parcela individual representar pequena monta ou
vantagem econômica, o que desvanece o titular a buscar em juízo esse direito de
forma individual; ocorrência de desestímulos psicológicos, tais como alto custo
do processo individual, acentuada burocracia, demora no Judiciário e
dificuldades de entender o processo como um meio de tutelar direitos materiais,
peculiaridades, que, aliadas a sua homogeneidade e surgirem de um único fato ou
ato lesivo, levaram a se fazer incluir esses direitos como individuais
homogêneos ou de massa. Com isso eles podem se enquadrar na categoria de
direitos coletivos.
Não podemos esquecer que da mesma forma dos direitos individuais esses
direitos coletivos são protegíveis pela ordem jurídica do Brasil e nos mais
diversos países civilizados do mundo atual.
Especificamente com relação ao Brasil, podemos verificar na Constituição
Federal, que o Título II – Dos Direitos e Garantias Fundamentais – Capítulo I,
“Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos”.
Ainda, no art. 127 e 129, da mesma Carta Magna, foi dado ao Ministério
Público como auxiliar da Justiça, a legitimidade para proteger os direitos
sociais e os direitos coletivos e difusos.
Na Argentina podemos extrair da afirmativa de FRANCISCO VERBIC, quando
cita BIDART CAMPOS que “Según sostienen diversos autores, la recepción de los
derechos de incidência colectiva em el art. 43 de la Const. Nacional presupone el reconocimiento paralelo
de bienes colectivos o de incidência colectiva sobre los cuales racaería
ejercicio de aquéllos”.[9]
Em
ambos os países – Brasil e Argentina -, podemos afirmar: em termos de expressão
de norma constitucional há uma razoável garantia desses direitos coletivos e
por isso susceptíveis de uma possível reparação no campo próprio.
Estamos diante das seguintes
constatações: primeiro, o direito surgiu de forma subjetiva e protegível
somente individualmente; segundo, fomos descobrindo outras espécies de direitos
até alcançarmos os direitos coletivos, cujas espécies guardam características
que diferenciam do direito individual; terceiro, há um reconhecimento pacífico
desse direito no mundo moderno, procurando-se sempre melhor aperfeiçoá-lo para
podermos protegê-lo com eficiência; quarto, os sistemas constitucionais já
prevêem formas de garantir e assegurar esses direitos.
Com isso não tempos dúvida que a
evolução dos direitos e garantias da cidadania, no curso da história se deram
de forma vertiginosa e encontra-se num estágio que podemos dizer de grande
esperança para o homem do futuro. O que precisa é apenas aperfeiçoarmos os
institutos e procurar dar o máximo de efetividade aos mesmos.
A questão relativa aos danos morais
e sua reparação, sempre foi vista com certa reserva. Os danos para serem
reparados precisariam se configurar como patrimoniais. Portanto, um dano
imaterial não patrimonial, dificilmente seria aceito como suscetível de
reparação. Aqui procuraremos mostrar a evolução dessa espécie de dano, até
chegarmos ao estágio da possibilidade de configuração e reparação dos danos
morais coletivos.
Aliás, em lição bem esclarecedora o Professor FERNANDO ALFREDO UBIRÍA, proclama que: “Cuando se habla de daños a la persona se abarcan distintas manifestaciones de hipótesis singulares de lesividad quem em su manifestación patrimonial o extrapatrimonial, comprometen la existência, la plenitude o la dignidad misma de la persona humana”.[10]
3.1 – Caracterização do dano moral.
Em um primeiro momento, como veremos adiante, não se acolheu a ideia de existir um dano no âmbito moral. Depois, aceitando-se essa possibilidade passou a existir uma variedade de concepções a respeito da natureza do dano moral, afirmando-se ser reparatória, ressarcitória, indenizatória ou sancionatória, penalizante, exemplificativa. Essas opiniões são repassadas na obra de CLAYTON REIS[11]
Na realidade todas essas concepções a respeito da natureza do dano moral aqui apontadas, traduzem uma dificuldade inicial em se entender essa espécie de dano. No entanto, independentemente de sua específica natureza o importante é caracterizá-lo ou identificá-lo, de forma tal que haja aceitação e possibilidade de sua reparação.
VLADIMIR PASSOS DE FREITAS, escreveu sobre a evolução do tema danos
morais, nos seguintes termos: “Lenta foi a evolução do tema e muitas são as
objeções que a ele ainda se fazem. Relaciona-as uma a uma Maria Helena Diniz: a
efemeridade do dano moral; o escândalo da discussão em juízo sobre sentimentos
íntimos de afeição e decoro; a incerteza nos danos morais de um verdadeiro
direito violado e de um dano real; a dificuldade de descobrir a existência do
dano; a impossibilidade de uma rigorosa avaliação pecuniária do dano moral; a
indeterminação do número de lesados; a impossibilidade de compensar a dor com
dinheiro; o perigo da inevitável interferência do arbítrio judicial, que
confere ao magistrado poder ilimitado na
apreciação dos danos morais para avaliar o montante compensador do prejuízo; o
enriquecimento sem causa e a impossibilidade jurídica de admitir tal
reparação”.[12]
O mesmo afirma
ATILIO ANÍBAL ALTERINI, “Es ardua – como ya se ha visto – la controversia
doctrinaria acerca de si tal especie de daño es indemnizable, o se corresponde
tan sólo la reparación de una de sus especies, el “agravio moral”, como sanción
ejemplar”.[13]
É perceptível a dificuldade em se alinhar a ideia de dano moral e os
obstáculos apresentados pela doutrina para que esse dano seja reparável. Apesar
desses entraves e da falta de uma aceitação doutrinária a respeito da matéria
houve uma razoável evolução do tema.
O certo é que apesar da resistência de alguns, da imprecisão quanto a sua
natureza e falta de unanimidade de pensamento a esse respeito, há uma tendência
natural a se aceitar a possibilidade da configuração da existência de dano
moral.
Há algum tempo JOSÉ DE AGUIAR DIAS, grande defensor da existência do dano moral, assim se pronunciou: “este consiste na penosa sensação da ofensa, na humilhação perante terceiros, na dor sofrida, enfim, nos efeitos puramente psíquicos e sensoriais experimentados pela vítima do dano, em conseqüência deste, seja provocada pela recordação do defeito ou da lesão, quando não tenha deixado resíduo mais concreto, seja pela atitude de repugnância ou de reação a ridículo tomada pelas pessoas que o defrontam”.[14]
Nos dias atuais o conceito não muda muito, em razão do tempo decorrido. MARIA HELENA DINIZ, define como sendo “a ofensa de interesse não patrimoniais de pessoa física ou jurídica provocada pelo fato lesivo. A reparação do dano moral não é uma indenização por dor, vergonha, humilhação, perda da tranqüilidade ou do prazer de viver, mas uma compensação pelo dano e injustiça sofridos pelo lesado, suscetível de proporcionar-lhe uma vantagem, pois ele poderá, com a soma de dinheiro recebida, procurar atender às satisfações materiais ou ideais que repute convenientes, atenuando, assim, em parte, seu sofrimento”.[15]
Na esteira da preocupação de caracterizar o dano moral CARLOS ALBERTO BITTAR nos informa que “... danos morais são aqueles suportados na esfera dos valores da moralidade pessoal ou social, e, como tais, reparáveis, em sua integralidade, no âmbito jurídico. Perceptíveis pelo senso comum – porque ligados à natureza humana – podem ser identificados, em concreto, pelo juiz, à luz das circunstâncias fáticas e das peculiaridades da hipótese sub litem, respeitado o critério básico da repercussão do dano na esfera do lesado”.[16]
FERNANDO ALFREDO UBIRÍA em trabalho distribuído em sala de aula, intitulado Un necesario sinceramiento em materia de daños alas personas, faz uma observação interessante sobre o dano “a um projeto de vida”, incluindo essa categoria no rol dos danos morais, pois não há prejuízo diverso no campo econômico possível de ressarcimento.
Esse dado é importante como caracterizador do dano moral. É que estamos diante de uma espécie de dano que não diz respeito ao patrimônio, mas ao aspecto extrapatrimonial e ressarcitório de um prejuízo econômico. Não se visa ressarcir, no dano moral, o desfalque econômico, mas sim um valor que transcende esse aspecto material ou patrimonial.
De forma breve, mas segura, verificamos que os danos morais restaram bem definidos, caracterizados e aceitos pela doutrina, o que não é diferente nas outras fontes do direito como a lei e a jurisprudência.
Alcançamos assim, um estágio importante de configuração dessa espécie de
dano, o seu reconhecimento no campo doutrinário e a sua proteção através da
ordem jurídica dos mais variados países como veremos em breve.
A dificuldade existente no campo dos
direitos individuais, em se aceitar a concepção de dano moral, não é menos
intensa no âmbito dos direitos coletivos.
A Lei 7.347/85, conhecida como Lei da Ação Civil Pública, prevê em seu
artigo 1º, a possibilidade de reparação de danos morais e patrimoniais no que
tange aos bens ali elencados como “meio ambiente, consumidor, culturais, de
ordem econômica, economia popular, ordem urbanística e qualquer outro interesse
ou direito difuso”
Essa previsão legal fez TEORI ALBINO ZAVASCKI afirmar que “fundada na interpretação literal do texto
normativo, formou-se corrente de opinião, sustentando a possibilidade de
ocorrer dano moral de natureza transindividual, ou seja, dano moral causado,
não a pessoas determinadas, mas a pessoas indeterminadas ou indetermináveis”[17].
Mesmo achando que o dano moral coletivo não está evidenciado apenas pela
característica da transindividualidade ou indivisibilidade, nem pela
literalidade da norma TEORI ALBINO ZAVASCKI reconhece que “o que se deve
extrair, do dispositivo comentado, no particular, é a autorização para cumular,
no processo em que se busca a responsabilização do réu pelas lesões causadas a
direitos transindividuais, a reparação dos danos morais eventualmente
decorrentes do mesmo fato”.[18]
Essa posição firmada está calcada na ideia de que “... a vítima de dano
moral é, necessariamente uma pessoa. É que o dano moral envolve,
necessariamente, dor, sentimento, lesão psíquica, afetando,” segundo o mesmo
autor traduzindo palavras de CLEYTON REIS, que “a parte sensitiva do ser
humano, como a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas”, ou
seja, “tudo aquilo que molesta a alma humana, ferindo-lhe gravemente os valores
fundamentais inerentes a sua personalidade ou reconhecidos pela sociedade em
que está integrado”.[19]
Assim, é possível perceber que embora haja alguma resistência, não se
pode desconhecer a aceitação da doutrina quanto a possibilidade de configuração
do dano moral, mesmo no âmbito coletivo.
Em posição mais firme sobre essa espécie de dano encontramos outros autores afirmando que “Os danos a que se refere a ACP são os patrimoniais e os morais. Dano é toda lesão causada aos bens tutelados. Abrange o dano emergente, ou seja, os prejuízos efetivos, diretos e imediatos e os lucros cessantes”, como deixa claro JOÃO BATISTA DE ALMEIDA[20]
A mesma posição tem RODOLFO DE CAMARGO MANCUSO quando afirma que “Assim
há que ser, pois se os interesses objetivados são difusos, esparsos pela
coletividade como um todo, compreende-se que o sistema de responsabilidade
fundado na culpa, de base individual-civilística, não se acomode à reparação
desses valores de largo espectro social”.[21]
JOSÉ RUBENS MORATO LEITE ao escrever trabalho sob o título: “ DANO
EXTRAPATRIMONIAL OU MORAL AMBIENTAL E SUA PERSPECTIVA NO DIREITO BRASILEIRO
afirma que“... Um dos pressupostos é denotado através da seguinte assertiva: se
o indivíduo pode ser ressarcido por lesão a um dano moral, não há óbice para que
a coletividade não venha a ser reparada, considerando que, do contrário,
estar-se-ia evidenciando um dano sem obrigação de compensação.
Desta forma, não seria justo supor que uma lesão à honra de determinado
grupo fique sem reparação, ao passo que, se a honra de cada um dos indivíduos
deste grupo for afetada isoladamente, os danos serão passíveis de indenização.
Redundaria em contra-senso inadmissível.”[22].
A posição firmada encontra total
respaldo na melhor racionalidade do tema. Não é possível se aceitar a ideia de
reparar um dano moral ao indivíduo e se negar o reconhecimento a um dano moral
causado a um bem que pertence a toda coletividade. A logicidade dessa lição põe
por terra toda e qualquer tentativa de se negar essa obviedade.
GISELE SANTOS FERNANDES GÓES, ao escrever sobre “O pedido de dano moral e
coletivo na ação civil pública do Ministério Público”, in PROCESSO CIVIL
COLETIVO, Coordenado por MAZZEI e NOLASCO, pág. 474, procura emprestar uma definição
razoável ao tema: “...o dano moral coletivo é aquele que envolve uma condenação
genérica da pessoa física ou jurídica que causou o dano, tendo em vista o abalo
de toda uma coletividade, perante o bem jurídico lesado.
... Com efeito,
o dano moral coletivo é uma forma de se buscar um bálsamo para a sociedade que
foi afetada na sua integridade, em função da gravidade do ato e da natureza do
bem corrompido e também como forma de inibir a ação recidiva.
... O direito
não pode mais se subsumir à visão individual. Perante o Estado Social
evidenciado, constitui uma realidade sem retorno o panorama da coletivização ou
socialização que açoda o ordenamento jurídico brasileiro”.[23]
É preciso lembrar que da mesma forma que o dano moral acoberta o
sentimento, a lesão psiquique do ser humano, os valores que transbordam de um
indivíduo, também podem ser traduzidos de forma coletiva, quer seja um bem
lesado no âmbito do interesse difuso quer coletivo, entendido este como
pluralidade de interesses individuais que sofre uma lesão de grande repercussão
na sociedade.
O sentimento coletivo, a perda de bens que pertencem a todos, é tão ou
mais grave do que a singela visão individualista. Assim, não há como obscurecer
essa peculiaridade palpável no cotidiano de qualquer grupo social.
Assim, é perfeitamente possível se afirmar que há uma identidade de um
bem na sociedade atual, tendo em vista exatamente a ideia de coletivização, a
forma de como o grupo social é afetado, não pelo individuo isoladamente, mas
toda uma massa até não identificável.
XISTO TIAGO DE MEDEIROS NETO ao escrever obra específica sobre o tema
Danos Morais Coletivos, faz um apanhado na doutrina sobre a caracterização do
dano moral coletivo e depois arremata seus elementos caracterizadores, como
conduta antijurídica, ofensa intolerável aos interesses extrapatrimoniais e a
percepção do dano causado e seus efeitos.[24]
Não há dúvida que a caracterização e identificação do dano moral coletivo
estão bem delineadas no pensamento moderno da sociedade atual, o que se pode
perceber perfeitamente das lições aqui trazidas, as quais encontram perfeita
harmonia com as exigências de uma sociedade moderna e preparada para atender as
aspirações mais nobres do mundo atual.
4. - PREVISÃO LEGAL E JURISPRUDENCIAL DOS DANOS MORAIS
COLETIVOS E A POSSIBILIDADE DE SUA REPARAÇÃO.
Iniciamos este capítulo mostrando que temos na ordem jurídica moderna uma
posição assente quanto a previsibilidade da possibilidade de reparação dos
danos morais, compreendendo os coletivos.
No Brasil a Constituição Federal no art. 5º, inciso X, diz: “ são
invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas,
assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de
sua violação”.
Esse dispositivo constitucional indica a possibilidade de dano moral como
um todo ser suscetível de proteção e como se trata de norma expressa na Carta
Magna, só pode ser compreendida sob o ângulo dos direitos individuais ou
coletivos.
Há no Brasil uma ação civil pública
disciplinada na ordem jurídica desde o ano de 1985 através da Lei 7.347/85, a
qual se presta a proteger as mais variadas espécies de direitos coletivos e, em
seu art. 1º proclama: “Regem-se pelas disposições desta Lei, sem prejuízo da
ação popular, as ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados”
ao meio ambiente, ao consumidor e outros bens definidos no texto legal, como os
difusos e coletivos.
Vimos anteriormente a afirmativa de FRANCISCO VERBIC, quando cita BIDART
CAMPOS que o art. 43 da Constituição Nacional reconhece também a garantia de
direitos coletivos, o que pressupõe que em ambos os países – Brasil e Argentina
-, podemos repetir: em termos de expressão de norma constitucional há uma
razoável garantia desses direitos coletivos e por isso susceptíveis de uma
possível reparação no campo próprio.
Não podemos deixar de reconhecer que em termos de direito positivo nossos
países estão incluídos dentre aqueles que representam uma vanguarda nesse campo
específico dos direitos.
O mesmo pode-se dizer com relação a
jurisprudência de ambos os países.
FRANCISCO VERBIC, escreveu sobre a situação Argentina, demonstrando uma
certa tranquilidade dos Tribunais em reconhecer a possibilidade de reparação
dos danos morais coletivos, quando afirma: “Em relación a la reparación de
daños colectivos por vulneración de bienes de idéntica naturaleza, encontramos
en la jurisprudencia numerosos casos donde se ha reconocido su procedencia sin
mayores objeciones”[25].
Em nota de rodapé, o mesmo autor trás um caso em que “el tribunal condenó a la empresa y ordenó que los fondos correspondientes al resarcimiento por daño moral colectivo fueran destinados a un patrimonio de afectación dentro del presupuesto municipal para las obras de ornato y salubridad de la comuna”.